Arquivo da categoria: PM no Campus

Categoria que reúne textos que falam sobre a presença da PM nos Campi da USP.

USP e a PM: uma relação histórica

“SOBRE A OCUPAÇÃO PELA PM DA USP:

Como ex-coordenador do CEUPES, Centro Acadêmico de Ciências Sociais, ex-diretor do DCE livre Alexandre Vanucchi Leme, e ex-coordenador da Associação de Pós-Graduandos da USP, aproveito o espaço para recobrar os anos vividos na Universidade de São Paulo e que, ao que parece, foram esquecidos por muitos.

No final do período ditatorial, ainda sob o governo de um presidente ilegítimo, estudantes, professores e funcionários da USP lutavam, conjuntamente, pela autonomia universitária, o que pressupunha liberdade de pensamento, de produção e também de administração da Instituição. Após décadas de controle policial sobre a Universidade, que incluiu o expurgo de seus mais ilustres quadros intelectuais, como Florestan Fernandes e tantos outros, que chegaram a ser presos dentro de sala de aula, me soa reacionária e anacrônica a postura do atual Reitor da Universidade de São Paulo que, como os últimos dirigentes da USP, não foi legitimamente escolhido pela comunidade, mas imposto pelo governador do estado de São Paulo, já que não foi o primeiro da lista tríplice.
No início do governo Sarney, sob a perspectiva de reconstitucionalização democrática do país, a USP, a UNICAMP e a UNESP se tornaram centro de um franco debate acerca da liberdade científica, de pensamento e de expressão. Propunha-se a autonomia universitária como único remédio contra os abusos policiais do Estado e em favor da liberdade de pensamento. Se, por um lado, indicava-se, no âmbito do Projeto GERES (Grupo Executivo de Reforma do Ensino Superior), liderado à época por José Goldemberg, Simon Schwartzman e Eunice Ribeiro Duhan, um modelo produtivista e tendencialmente privatista a ser implementado na Universidade, por outro existia uma franca oposição das comunidades universitárias, que exigiam autonomia, ampliação de vagas, aumento de professores, mais assistência estudantil e, principalmente, liberdade.
Com a subida do PMDB ao poder, em 1986, Quércia fechou um acordo com as comunidades universitárias das três Universidades paulistas, no sentido de garantir um percentual fixo do ICMS para o financiamento das Instituições e autonomia administrativo-financeira, em troca da garantia de manutenção de conselhos universitários com forte peso governista e das listas sêxtuplas e tríplices nos processos eleitorais de dirigentes, mantendo sob a batuta do governo a indicação do reitor. A eleição em dois turnos, pelo colegiado ampliado, e, depois, pelos órgãos centrais, presumia a eterna perpetuação conservadora da estrutura de poder na Universidade, como de fato ocorreu.
Goldemberg se tornaria Reitor, e súper Ministro (chegou a acumular 3 ministérios durante o governo Collor) e Eunice e Simon, seriam os mais fiéis escudeiros da política estadual e nacional de privatizações do ensino superior durante os anos do PSDB no poder.
A política de privatizações da produção das Universidades públicas se ampliou. As Fundações de direito privado, que captavam recursos da iniciativa privada e os aplicavam de acordo com os interesses particulares das empresas financiadoras, passaram a conduzir boa parcela da política acadêmica da USP. A FIPE, a FIA, a Fundação USP, a Zerbini, entre muitas outras, passaram a se responsabilizar por parte dos recursos aplicados em pesquisa e até se responsabilizaram pela complementação salarial para alguns professores e funcionários das áreas de ponta.
Paralelamente, foi iniciada uma profunda reforma administrativa na Universidade, que incluía a terceirização de serviços de baixa qualificação, como limpeza e segurança. A autonomia universitária presumia que a USP se responsabilizasse pela segurança interna de seus campi, assim, constituiu a Guarda Universitária, que fazia rondas, resguardava o patrimônio e inibia delitos e ilícitos. A criação da Guarda Universitária, entretanto, não foi suficiente para evitar que a PM entrasse nos campi e realizasse operações sem qualquer autorização do magnífico Reitor, desconsiderando a autonomia, conquistada a duras penas na constituinte estadual.
Após longos anos de luta incessante, os estudantes se fortaleceram e ficaram à frente do movimento contra a PM no Campus Butantã. Em todos os muros da cidade universitária se viam cartazes contra a PM no Campus. É bom lembrar que a Academia de Polícia está localizada na entrada da Cidade Universitária.
A luta se intensificou em conformidade com a calamidade econômica do governo Sarney. Na Unicamp os estudantes viraram um camburão da PM e o incendiaram. Quando os caminhões foram retirar os destroços do automóvel, os alunos impediram a ação, queriam deixar os destroços expostos para que as futuras gerações pudessem sempre se lembrar da luta contra a PM no Campus.
Na USP, finalmente, foi consolidada a posição contrária às operações da PM no Campus sem autorização expressa do Reitor. A Autonomia se fortalecia.
Não obstante, as terceirizações e a crise econômica levaram a uma contínua redução proporcional dos contingentes da Guarda Universitária. Guarda esta, desarmada, usada como elemento de dissuasão, sob uma política de segurança preventiva e não repressiva.
A ampliação da USP e a não ampliação da Guarda, ao lado do seu sucateamento técnico, levaram a uma escalada cada vez maior dos delitos dentro da Campus. A Reitoria não estava disposta a fazer empenhos de recursos cada vez maiores para garantir segurança, assim, permitiu a escalada da insegurança, o que abriu caminho para, a partir do recente caso de assassinato, retomar a relação entre a USP e a PM. Não tardou, obviamente, para que essa nova política, repressiva e não mais preventiva, criasse constrangimentos e produzisse violência.
O atual quadro da USP demonstra um erro profundo na condução da política de segurança interna e, pior, representa um retrocesso perigoso no tangente à restrição da autonomia universitária e da liberdade.
Lutar contra a PM no Campus não significa defender o ilícito, mas a liberdade e a não violência. Significa também exigir uma nova política interna de segurança que retome a perspectiva preventiva que, durante anos, foi mais eficaz que essa recente e anacrônica política repressiva. A PM certamente tem muito mais coisas a fazer fora do Campus, a violência na cidade de São Paulo atingiu níveis inaceitáveis. E a gloriosa Polícia Militar matou, segundo a imprensa de ontem, em cinco anos, mais pessoas que as polícias de todos os estados norte-americanos juntos. Esse, pelo visto, não é o caminho para uma sociedade mais justa, mais livre e com menos violência.
Todo o apoio aos estudantes. Quem tem memória não pode deixar de lembrar as décadas de luta pela liberdade e pela autonomia.
José Henrique Artigas de Godoy (doutor em ciência política pela USP e professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba)”

Fonte: http://www.twitlonger.com/show/e1ihbm

Pesquisadores da USP divulgam nota contra presença da PM no campus

Pesquisadores da Universidade de São Paulo divulgaram nesta sexta-feira (11) uma nota pública assinada por 250 alunos de pós-graduação, mestres e doutores em repúdio à atuação da Polícia Militar na desocupação da reitoria da USP. Os pesquisadores afirmam que “o que está em jogo é a incapacidade das autoritárias estruturas de poder da universidade de admitir conflitos e permitir a efetiva participação da comunidade acadêmica nas decisões fundamentais da instituição”.

Leia a íntegra da nota:

“Nós, pesquisadores da Universidade de São Paulo auto-organizados, viemos, por meio desta nota, divulgar o nosso posicionamento frente à recente crise da USP.

No dia 08 de novembro de 2011, vários grupamentos da polícia militar realizaram uma incursão violenta na Universidade de São Paulo, atendendo ao pedido de reintegração de posse requisitado pela reitoria e deferido pela Justiça. Durante essa ação, a moradia estudantil (CRUSP) foi sitiada com o uso de gás lacrimogêneo e um enorme aparato policial. Paralelamente, as tropas da polícia levaram a cabo a desocupação do prédio da reitoria, impedindo que a imprensa acompanhasse os momentos decisivos da operação. Por fim, 73 estudantes foram presos, colocados nos ônibus da polícia, e encaminhados para o 91º DP, onde permaneceram retidos nos veículos, em condições precárias, por várias horas.

Ao contrário do que tem sido propagandeado pela grande mídia, a crise da USP, que culminou com essa brutal ocupação militar, não tem relação direta com a defesa ou proibição do uso de drogas no campus. Na verdade, o que está em jogo é a incapacidade das autoritárias estruturas de poder da universidade de admitir conflitos e permitir a efetiva participação da comunidade acadêmica nas decisões fundamentais da instituição. Essas estruturas revelam a permanência na USP de dispositivos de poder forjados pela ditadura militar, entre os quais: a inexistência de eleições representativas para Reitor, a ingerência do Governo estadual nesse processo de escolha e a não-revogação do anacrônico regimento disciplinar de 1972.

Valendo-se desta estrutura, o atual reitor, não por acaso laureado pela ditadura militar, João Grandino Rodas, nos diversos cargos que ocupou, tem adotado medidas violentas: processos administrativos contra estudantes e funcionários, revistas policiais infundadas e recorrentes nos corredores das unidades e centros acadêmicos, vigilância sobre participantes de manifestações e intimidação generalizada.

Este problema não é um privilégio da USP. Tirando proveito do sentimento geral de insegurança, cuidadosamente manipulado, o Governo do Estado cerceia direitos civis fundamentais de toda sociedade. Para tanto, vale-se da polícia militar, ela própria uma instituição incompatível com o Estado Democrático de Direito, como instrumento de repressão a movimentos sociais, aos moradores da periferia, às ocupações de moradias, aos trabalhadores informais, entre outros. Por tudo isso, nós, pesquisadores da Universidade de São Paulo, alunos de pós-graduação, mestres e doutores, repudiamos o fato de que a polícia militar ocupe, ou melhor, invada os espaços da política, na Universidade e na sociedade como um todo.”

Cerca de 1500 alunos, segundo o Diretório Central de Estudantes (DCE), estiveram presentes na assembleia geral da Universidade Federal de São Paulo (USP) nesta quinta-feira (10) (Foto: Raphael Prado/G1)Cerca de 1500 alunos, segundo o Diretório Central de Estudantes (DCE), estiveram presentes na assembleia geral da Universidade de São Paulo (USP) nesta quinta-feira (10) (Foto: Raphael Prado/G1)

Nota da Congregação da FFLCH

A Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, reunida em sessão extraordinária, no dia 31 de outubro de 2011, na sala 8, do Conjunto de Filosofia e Ciências Sociais, à vista da gravidade dos acontecimentos que resultaram na ocupação do prédio da Administração, vem declarar sua disposição para o encaminhamento de soluções mediante negociação com as partes envolvidas no conflito.

A Congregação reconhece que os termos do convênio firmado entre a USP e a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo são vagos, imprecisos e não preenchem as expectativas da comunidade uspiana por segurança adequada. Reconhece igualmente que a intervenção da Polícia Militar extrapolou os propósitos originalmente concebidos com o convênio.

Como é tradicional em suas manifestações, a Congregação repudia com veemência o recurso a todas as formas de violência. É oportuno lembrar que a intervenção da PM ocorreu em um espaço social sensível à presença de forças coercitivas, face ao histórico, ainda recente na memória coletiva da comunidade acadêmica, de intervenções policiais violentas durante a ditadura militar.

As reações de alunos, embora previsíveis, não teriam tido o desdobramento que tiveram caso houvesse prevalecido o bom entendimento entre as partes envolvidas, sem apelo à violência. A Congregação envidará todos seus esforços para desarmar o conflito e conduzir seu desfecho à mesa de negociações.

Para tanto, se propõe a realizar gestões junto à superior administração visando reavaliação do protocolo entre a USP e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de S. Paulo. É preciso que haja clareza quanto aos exatos fins e alcance da política de segurança nos campi. Uma moderna política de segurança pública prescinde da criminalização de comportamentos.

Nessa medida, a Congregação acolhe as sugestões dos alunos relativas a medidas que podem contribuir para o aperfeiçoamento da segurança na USP, entre as quais: melhoria da iluminação, aumento da frequência de ônibus de linha e circulares, guarda universitária, constituída por funcionários de carreira, desempenhando preferencialmente funções preventivas e com formação compatível com direitos humanos, criação de um corpo de guardas femininas, capacitadas para o atendimento de vítimas de assédio sexual e estupro.

A Congregação da FFLCH também se compromete a desencadear discussão ampla e aberta a toda a comunidade acadêmica para a formulação e execução de política interna de prevenção de drogas. Com o propósito de reduzir oportunidades de conflitos com desfechos violentos, igualmente se compromete a promover estudos que fundamentem proposta ao Conselho Universitário de revisão e modernização dos regulamentos que disciplinam processos administrativos movidos contra estudantes.

A Congregação reconhece que as discussões e debates a respeito da estrutura de poder na USP tem caráter de urgência e não podem mais ser postergadas sob quaisquer razões ou pretextos. Por fim, convém destacar que a Diretora da FFLCH da USP esteve presente no momento dos acontecimentos e fez a negociação visando a proteção dos direitos dos três alunos envolvidos, acompanhando‐os à Delegacia de Polícia. Além disso, garantiu que não teriam nenhum tipo de punição. Portanto, não é verdadeira a afirmação veiculada na comunidade de que a Diretora apoiou a ação da PM. Nesse sentido, a Congregação manifesta‐se pelo desagravo à injusta acusação que lhe foi imputada em documentos de circulação pública.

USP, universitários não querem volta aos tempos da ditadura

Por Wálter Maierovitch

–1.Os universitários da Universidade de São Paulo continuam a se mobilizar e muitos insistem no fim do Convênio com a Polícia Militar e a volta de um corpo próprio de funcionários para manter a segurança no campus.

–2. Como no tempo das ditaduras. Só para lembrar.

No dia 27 de outubro, a Polícia Militar, no campus da Universidade de São Paulo, desnudou a política de segurança pública do governador Geraldo Alckmin. Uma política de matriz filo-fascista conhecida desde o chamado massacre da Castelinho. Embora violenta, tal política foi desmoralizada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que se espalha e difunde o medo, sem ser contrastado com eficácia, pela periferia da capital paulista.

Enquanto o Rio de Janeiro, depois da chegada de José Mariano Beltrame à secretaria e sua decisão de pôr fim ao populismo bélico do governador Sérgio Cabral, investe na pacificação, o governador de São Paulo, ainda que sem Saulo de Castro a papaguear máximas malufistas na pasta da Segurança Pública, insiste na militarizada, direitista e populista linha conhecida por Lei&Ordem e as derivantes Tolerância Zero e War on Drugs (Guerra às Drogas).

Nelas sucumbiram Felipe Calderón, presidente mexicano, e George W. Bush, que perseguia com a polícia federal usuários terapêuticos de maconha e bateu à porta da Corte Suprema de Justiça para postular a declaração de inconstitucionalidade de leis estaduais que permitiam aos doentes o uso de maconha para finalidade terapêutica, por indicação médica. E não deve ser esquecido Rudolph Giuliani, morto politicamente por colocar, quando no segundo mandato de prefeito de Nova York, sob permanente suspeita de autoria de crimes, negros e latino-americanos e por encetar perseguições cotidianas, com prisões de bebedores de cerveja apanhados ou por embriaguez ou por terem urinado nas ruas.

A war on drugs de Alckmin ataca no varejo, ou seja, mira no ilícito de menor potencial ofensivo, sujeito a juizados de pequenas causas criminais. O último solar exemplo acaba de acontecer com a detenção de três universitários que consumiam, para fins lúdicos recreativos (não medicinal), maconha do campus da USP. A polícia não reprime os grandes traficantes e adere ao truísmo bushiano-religioso de que sem consumo não haveria oferta. Assim, sai atrás dos maconheiros, e não dos traficantes. Um dos maiores traficantes do planeta, Juan Carlos Abadia, fixou residência e operou durante anos em São Paulo, sem ser molestado pela polícia paulista.

Após a consumação por pessoas estranhas ao campus da USP de crimes graves, celebrou-se um acordo, pelo prazo de cinco anos, voltado “a reforçar a proteção” à população do campus da USP. Esse acordo foi firmado pelo comando da PM e por Grandino Rodas, aquele que não encabeçava a lista de selecionados para o múnus de reitor, mas acabou escolhido pelo então governador José Serra, apesar das inúmeras trapalhadas à frente da Faculdade de Direito.

À época o acordo contou com a aprovação da maioria dos universitários, ainda sob comoção decorrente do latrocínio (matar para roubar) do estudante Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos. Hoje, e sabedores da política de segurança do governo Alckmin, os universitários e os trabalhadores do campus desejam a revisão do tal acordo e cogitam uma greve geral.

Com a detenção dos três estudantes surpreendidos a fumar maconha em estacionamento para automóveis, houve reação desproporcional, radical, por parte dos colegas dos detidos. O exagero daqueles que se sentiram ameaçados por policiais num território tradicionalmente livre de ideais libertários. Outro caminho deveria ter sido trilhado pelos universitários que estão legitimados a postular a revisão do acordo com a PM e a exigir segurança por meio de um adequado corpo de funcionários da própria USP, ainda que Grandino Rodas prefira a PM.

Do confronto entre estudantes e policiais, chegou-se à ocupação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, à migração, por uma minoria enfurecida e derrotada em assembleia, para o prédio da reitoria e a reintegração coercitiva da posse. Aí, a Polícia Civil Judiciária perpetrou a ilegalidade de enquadrar os universitários como criminosos organizados em quadrilha e bando.

Uma PM despreparada para tratar com universitários foi a causa imediata de tamanho tumulto. Em agosto de 2007, a mesma PM invadiu a Faculdade de Direito da USP e isso levou o saudoso professor Goffredo da Silva Telles a elaborar e anunciar a famosa Carta aos Brasileiros, onde advertiu sobre os resquícios autoritários e proclamou o Território Livre.

A causa do desacerto no campus, frise-se, decorre da política eleita por Alckmin, num tempo em que o direito penal se humaniza. Até para crimes graves usam-se institutos que isentam de processos, condenações ou penas: plea bargaining, pattegiamento, delação premiada, desassociação, bagatela-insignificância. Além disso, ensina a máxima romana que “de minimis non curat praetor”.

Pano Rápido: “Todos os estudantes foram conduzidos à delegacia, sem que fosse necessário nem um disparo”, vangloriou-se o secretário da Segurança. Pelo que disse, disparos de arma de fogo tinham sido previstos. Só faltou o grito do anauê integralista.

Terceirização da USP e sucateação da Guarda Universitária

Por José Henrique Artigas de Godoy

Como ex-coordenador do CEUPES, Centro Acadêmico de Ciências Sociais, ex-diretor do DCE livre Alexandre Vanucchi Leme, e ex-coordenador da Associação de Pós-Graduandos da USP, aproveito o espaço para recobrar os anos vividos na Universidade de São Paulo e que, ao que parece, foram esquecidos por muitos.

No final do período ditatorial, ainda sob o governo de um presidente ilegítimo, estudantes, professores e funcionários da USP lutavam, conjuntamente, pela autonomia universitária, o que pressupunha liberdade de pensamento, de produção e também de administração da Instituição. Após décadas de controle policial sobre a Universidade, que incluiu o expurgo de seus mais ilustres quadros intelectuais, como Florestan Fernandes e tantos outros, que chegaram a ser presos dentro de sala de aula, me soa reacionária e anacrônica a postura do atual Reitor da Universidade de São Paulo que, como os últimos dirigentes da USP, não foi legitimamente escolhido pela comunidade, mas imposto pelo governador do estado de São Paulo, já que não foi o primeiro da lista tríplice.
No início do governo Sarney, sob a perspectiva de reconstitucionalização democrática do país, a USP, a UNICAMP e a UNESP se tornaram centro de um franco debate acerca da liberdade científica, de pensamento e de expressão. Propunha-se a autonomia universitária como único remédio contra os abusos policiais do Estado e em favor da liberdade de pensamento. Se, por um lado, indicava-se, no âmbito do Projeto GERES (Grupo Executivo de Reforma do Ensino Superior), liderado à época por José Goldemberg, Simon Schwartzman e Eunice Ribeiro Duhan, um modelo produtivista e tendencialmente privatista a ser implementado na Universidade, por outro existia uma franca oposição das comunidades universitárias, que exigiam autonomia, ampliação de vagas, aumento de professores, mais assistência estudantil e, principalmente, liberdade.
Com a subida do PMDB ao poder, em 1986, Quércia fechou um acordo com as comunidades universitárias das três Universidades paulistas, no sentido de garantir um percentual fixo do ICMS para o financiamento das Instituições e autonomia administrativo-financeira, em troca da garantia de manutenção de conselhos universitários com forte peso governista e das listas sêxtuplas e tríplices nos processos eleitorais de dirigentes, mantendo sob a batuta do governo a indicação do reitor. A eleição em dois turnos, pelo colegiado ampliado, e, depois, pelos órgãos centrais, presumia a eterna perpetuação conservadora da estrutura de poder na Universidade, como de fato ocorreu.
Goldemberg se tornaria Reitor, e súper Ministro (chegou a acumular 3 ministérios durante o governo Collor) e Eunice e Simon, seriam os mais fiéis escudeiros da política estadual e nacional de privatizações do ensino superior durante os anos do PSDB no poder.
A política de privatizações da produção das Universidades públicas se ampliou. As Fundações de direito privado, que captavam recursos da iniciativa privada e os aplicavam de acordo com os interesses particulares das empresas financiadoras, passaram a conduzir boa parcela da política acadêmica da USP. A FIPE, a FIA, a Fundação USP, a Zerbini, entre muitas outras, passaram a se responsabilizar por parte dos recursos aplicados em pesquisa e até se responsabilizaram pela complementação salarial para alguns professores e funcionários das áreas de ponta.
Paralelamente, foi iniciada uma profunda reforma administrativa na Universidade, que incluía a terceirização de serviços de baixa qualificação, como limpeza e segurança. A autonomia universitária presumia que a USP se responsabilizasse pela segurança interna de seus campi, assim, constituiu a Guarda Universitária, que fazia rondas, resguardava o patrimônio e inibia delitos e ilícitos. A criação da Guarda Universitária, entretanto, não foi suficiente para evitar que a PM entrasse nos campi e realizasse operações sem qualquer autorização do magnífico Reitor, desconsiderando a autonomia, conquistada a duras penas na constituinte estadual.
Após longos anos de luta incessante, os estudantes se fortaleceram e ficaram à frente do movimento contra a PM no Campus Butantã. Em todos os muros da cidade universitária se viam cartazes contra a PM no Campus. É bom lembrar que a Academia de Polícia está localizada na entrada da Cidade Universitária.
A luta se intensificou em conformidade com a calamidade econômica do governo Sarney. Na Unicamp os estudantes viraram um camburão da PM e o incendiaram. Quando os caminhões foram retirar os destroços do automóvel, os alunos impediram a ação, queriam deixar os destroços expostos para que as futuras gerações pudessem sempre se lembrar da luta contra a PM no Campus.
Na USP, finalmente, foi consolidada a posição contrária às operações da PM no Campus sem autorização expressa do Reitor. A Autonomia se fortalecia.
Não obstante, as terceirizações e a crise econômica levaram a uma contínua redução proporcional dos contingentes da Guarda Universitária. Guarda esta, desarmada, usada como elemento de dissuasão, sob uma política de segurança preventiva e não repressiva.
A ampliação da USP e a não ampliação da Guarda, ao lado do seu sucateamento técnico, levaram a uma escalada cada vez maior dos delitos dentro da Campus. A Reitoria não estava disposta a fazer empenhos de recursos cada vez maiores para garantir segurança, assim, permitiu a escalada da insegurança, o que abriu caminho para, a partir do recente caso de assassinato, retomar a relação entre a USP e a PM. Não tardou, obviamente, para que essa nova política, repressiva e não mais preventiva, criasse constrangimentos e produzisse violência.
O atual quadro da USP demonstra um erro profundo na condução da política de segurança interna e, pior, representa um retrocesso perigoso no tangente à restrição da autonomia universitária e da liberdade.
Lutar contra a PM no Campus não significa defender o ilícito, mas a liberdade e a não violência. Significa também exigir uma nova política interna de segurança que retome a perspectiva preventiva que, durante anos, foi mais eficaz que essa recente e anacrônica política repressiva. A PM certamente tem muito mais coisas a fazer fora do Campus, a violência na cidade de São Paulo atingiu níveis inaceitáveis. E a gloriosa Polícia Militar matou, segundo a imprensa de ontem, em cinco anos, mais pessoas que as polícias de todos os estados norte-americanos juntos. Esse, pelo visto, não é o caminho para uma sociedade mais justa, mais livre e com menos violência.
Todo o apoio aos estudantes. Quem tem memória não pode deixar de lembrar as décadas de luta pela liberdade e pela autonomia.

“Prende e arrebenta”

Diogo Vargas tinha acabado de tomar um café na copa da reitoria da Universidade de São Paulo quando foi avisado de que a Tropa de Choque da Polícia Militar havia chegado. O estudante de Comunicação Social mal teve tempo de entender o que ocorria: viu pela janela centenas de policiais à espreita. Enquanto corria, tentava avisar os colegas da ocupação, sem sucesso. Em pouco tempo, todos estavam encurralados pela PM em uma escada de incêndio do prédio.

"Isso tudo não teria acontecido se na universidade houvesse um debate mais democrático", acredita Vladimir Safatle, professor

Acabava de amanhecer na terça-feira 8. As imagens dos 73 estudantes presos corriam o País. A operação com 400 policiais foi aplaudida pela sociedade, que parou para ver a trajetória dos estudantes “baderneiros, filhinhos de papai”, que depredaram o patrimônio público e desobedeceram à lei.

Conforme a poeira assenta, outros aspectos começam a surgir. Abusos policiais foram denunciados, como o amordaçamento de uma estudante que entrou em pânico na perseguição. O conjunto residencial da USP foi cercado e estudantes afirmam ter sido impedidos de sair de -suas casas durante a operação. Além disso, os episódios que ocorreram na reitoria, entre a entrada dos PMs e a saída dos detentos, estão mal esclarecidos. Estudantes dizem que a própria PM depredou o patrimônio, quebrando vidros e equipamentos.

A ocupação da reitoria, contestada até mesmo por setores do movimento estudantil, foi um erro político, segundo Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia da instituição. Radical, foi um passo estrategicamente equivocado, que só serviu para estigmatizar a manifestação. Mas os eventos de terça 8 criaram um rebuliço político entre alunos que até então viam o episódio com desconfiança. Na terça à noite, 3 mil pessoas, segundo o Diretório Central dos Estudantes (DCE), compareceram a uma assembleia dos alunos da universidade e decretaram greve das atividades acadêmicas. “Tudo isso fez a conscientização dos estudantes crescer em relação à repressão”, comenta o juiz Jorge Luiz Souto Maior, professor da Faculdade de Direito.

A situação é uma reação à falta de democracia na instituição. “A reitoria não ouve os alunos e vai criando ressentimentos. Qualquer coisa pode servir como faísca. Isso nunca teria ocorrido se na USP houvesse um debate mais democrático.” O filósofo desmistifica o argumento de que alunos são compostos de pessoas de alta renda. “Aluno de classe rica não tenho quase nenhum”, diz.

Para Souto Maior, o problema é a falta de compreensão da administração da USP sobre os movimentos sociais que existem internamente. Com o argumento do respeito à lei, a reitoria reprimiu os estudantes politicamente e evitou o debate democrático. “O tamanho desproporcional da operação foi para mostrar poder. A razão impulsional foi reprimir uma ação política.” Segundo Luiz, ainda falta espaço na democracia brasileira para a livre discussão e ação política espontânea. O episódio na USP seria um reflexo.

Após a retirada dos manifestantes instalados na reitoria, os estudantes convocaram uma greve

Assim, a discussão central de todo o episódio – a presença da Polícia Militar no campus como solução para o aumento dos índices de criminalidade no local – passa pela crítica ao modelo de decisões da universidade. Souto Maior afirma que a universidade tem de ser um ambiente de debate e de efervescência política, que não pode ser reprimido dessa maneira. Além disso, todo o evento deve ser encarado como uma ação política, e não vista simplesmente pela ótica da legalidade.

O reitor João Grandino Rodas aprovou em maio passado a entrada da Polícia Militar no campus em um convênio para a implantação da polícia comunitária. O convênio foi assinado poucos dias depois do assassinato do estudante de Ciências Atuariais Felipe Ramos Paiva, em uma tentativa de assalto no estacionamento da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). O tema, tratado em debates há anos na USP, tornou-se alvo de críticas de estudantes, professores e funcionários. Questões como repressão política e a própria forma de abordagem da polícia são argumentos usados contra o convênio.

O plano foi efetivado no início de setembro. As blitze, que tinham aumentado substancialmente desde o assassinato, se intensificaram e rondas da PM passaram a ser comuns. O projeto faz parte de uma tentativa da própria corporação de integração de direitos humanos às suas práticas. “A Polícia Comunitária passa a ser ponto de referência na comunidade. Você começa a criar uma relação de confiança e as pessoas começam a passar informação”, explica Álvaro Batista Camilo, comandante-geral da Polícia Militar. A estratégia foi utilizada em comunidades e bairros da capital, como o emblemático caso do Morumbi, onde diversas bases foram instaladas entre o bairro de classe média alta e a favela Paraisópolis, e é responsável por um sistema para identificar traficantes e ladrões, segundo o comandante.

Desde o início das atividades do convênio, estudantes relatam as constantes abordagens. “Os policiais estão lá para garantir segurança aos estudantes, mas estes acabam sendo alvo da ação policial”, afirma Safatle. Wesllen Souza, do 1º ano do curso de Ciências Sociais e morador do Crusp, diz ter sido abordado cinco vezes desde que o convênio começou a funcionar há dois meses. Souza, que é negro, rapper e de baixa renda, afirma sofrer muito mais que colegas brancos, de alta renda e com outro estilo. “Como aqui na USP não tem muitos negros, você acaba sendo um alvo fácil.” Além de racismo, os policiais teriam demonstrado preconceitos sociais. Em duas das vezes em que foi enquadrado, Souza estava sem a carteira de identificação de estudante. A abordagem foi muito pior. “Enfiaram a mão na minha cueca e tive que tirar a camisa.” Safatle reflete: “Não sei quem está seguro com uma polícia dessas, inadaptada para lidar com problemas sociais e com heranças profundas da ditadura”.

Seja como for, a ação de terça 8 não contribuiu para melhorar a imagem que a PM tem dentro do campus. Vargas e Rodrigo Marzano, estudante de Artes Plásticas, também detido, reclamam da tortura psicológica constante durante a prisão e da humilhação. Marzano destaca a convicção com que os PMs os chamavam de bandidos.

A atuação da mídia foi outro ponto que marcou os estudantes. Ariscos a qualquer aparição e temerosos, os participantes da ocupação rechaçaram a presença da mídia e mantiveram rostos cobertos durante todo o tempo. Na assembleia do dia 1º, provocações mútuas criaram um conflito entre as duas partes. Marzano relata ter recebido provocações frequentes por parte de jornalistas. Segundo ele, quando saía do prédio, já detido e com as mãos na cabeça, ouviu um dos repórteres dizer: “Ah, agora vocês estão aí”.

Vargas conta que percebeu nos policiais uma preocupação em mostrar tudo à mídia, cinematograficamente. Ao chegarem ao DP, por exemplo, sentados com a cabeça entre as pernas e sem poder ver nada, afirma ter ouvido a frase: “A Globo chegou. Agora pode soltar eles”.

O consumo de maconha foi outro tema que permeou todo o debate. O movimento de ocupação teve início em 27 de outubro, após três estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), que consumiam a droga, serem autuados por policiais. Em decorrência, cerca de 500 alunos da faculdade iniciaram um protesto para impedir a prisão dos colegas. O incidente acabou em confronto com policiais, que utilizaram bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha. Na mesma noite, um grupo envolvido no episódio decidiu ocupar a administração da faculdade, ocupação transferida para a reitoria em 1ºde novembro.

Apesar de classificar a ocupação como radical, Safatle condena o comportamento da PM. A reação policial, segundo ele, foi completamente desproporcional. “A Universidade é lugar para pesquisar e estudar, não para beber e fumar maconha, mas há maneiras muito mais inteligentes de se lidar com isso do que da forma como ocorreu.”

“A questão agora é o que fazer daqui para frente”, comenta Souto Maior. A reitoria está desocupada, mas o debate continua. Os estudantes parecem dispostos a manter o assunto em voga.

Ninguém está acima da lei. Mas quem é ninguém? O que é a lei?

Por Luiz Souto Maior

Para deslegitimar o ato de estudantes da USP, que se postaram contra a presença da polícia militar no campus universitário, o governador Geraldo Alckmin sentenciou: “Ninguém está acima da lei”, sugerindo que o ato dos estudantes seria fruto de uma tentativa de obter uma situação especial perante outros cidadãos pelo fato de serem estudantes. Aliás, na sequência, os debates na mídia se voltaram para este aspecto, sendo os estudantes acusados de estarem pretendendo se alijar do império da lei, que a todos atinge.

Muito precisa ser dito a respeito, no entanto.

Em primeiro lugar, a expressão, “Ninguém está acima da lei”, traduz um preceito republicano, pelo qual, historicamente, se fixou a conquista de que o poder pertence ao povo e que, portanto, o governante não detém o poder por si, mas em nome do povo, exercendo-o nos limites por leis, democraticamente, estatuídas. O “Ninguém está acima da lei” é uma conquista do povo em face dos governos autoritários. O “ninguém” da expressão, por conseguinte, é o governante, jamais o povo. Claro que nenhum do povo está acima da lei, mas a expressão não se destina a essa obviedade e sim a consignar algo mais relevante, advindo da luta republicana, isto é, do povo, para evitar a deturpação do poder.

Nesse sentido, não é dado ao governante usar o preceito contra atos de manifestação popular, pois é desses atos que se constroem, democraticamente, os valores que vão se expressar nas leis que limitarão, na sequencia, os atos dos governantes.

Dito de forma mais clara, a utilização do argumento da lei contra os atos populares é um ato anti-republicano, que favorece o disfarce do império da lei, ao desmonte da contestação popular aos valores que estejam abarcados em determinadas leis.

Foi isso, aliás, que se viu recentemente em torno do direito das pessoas se manifestarem, de forma organizada e pacífica, contra a lei que criminaliza o uso da maconha. Todos estão sob o império da lei, mas não pode haver obstáculos institucionalizados para a discussão pública da necessidade ou não de sua alteração.

A lei, portanto, não é ato de poder, não pertence ao governante. A lei deve ser fruto da vontade popular, fixada a partir de experiências democráticas, que tanto se estabelecem pelo meio institucionalizado da representação parlamentar quanto pelo livre pensar e pelas manifestações públicas espontâneas.

E, ademais, qual é a verdade da situação? A grande verdade é que os alunos da USP não estão querendo um tratamento especial diante da lei. Não estão pretendendo uma espécie da vácuo legal, para benefício pessoal. Para ser completamente, claro, não estão querendo fumar maconha no Campus sem serem incomodados pela lei. Querem, isto sim, manifestar, democraticamente, sua contrariedade à presença da PM no Campus universitário, não pelo fato de que a presença da polícia lhes obsta a prática de atos ilícitos, mas porque o ambiente es colar não é, por si, um caso de polícia.

Querem pôr em discussão, ademais, a legitimidade da autorização, dada pela atual Direção da Universidade, em permitir essa presença.

A questão da legitimidade trata-se de outro preceito relevante do Estado de Direito, pois a norma legal, para ser eficaz, precisa ser fixada por quem, efetivamente, tem o poder institucionalizado, pela própria ordem jurídica, para poder fazê-lo e, ainda, exercer esse poder em nome dos preceitos maiores da razão democrática.

Vejamos, alguém pode estar questionando o direito dos alunos de estarem ocupando o prédio da Administração da FFLCH, sob o argumento de que não estão, pela lei, autorizados a tanto. Imaginemos, no entanto, que a Direção da Unidade, tivesse concedido essa autorização. A questão, então, seria saber se quem deu autorização tinha a legitimidade para tanto e mais se os propósitos da autorização estavam, ou não, em conformidade com os preceitos jurídicos voltados à Administração Pública.

Pois bem, o que os alunos querem é discutir se a autorização para a Polícia Militar ocupar os espaços da Universidade foi legítima e quais os propósitos dessa autorização. Diz-se que a presença da Polícia Militar se deu para impedir furtos e, até, assassinatos, o que, infelizmente, foi refletido em fatos recentes no local. Mas, para bem além disso, a presença da Polícia Militar tem servido para inibir os atos democráticos de manifestação, que, ademais, são comuns em ambientes acadêmicos, envoltos em debates políticos e reivindicações estudantis e trabalhistas. Uma Universidade é, antes, um local experimental de manifestações livres de ideias, instrumentalizadas por atos políticos, para que as leis, que servirão à limitação dos atos dos nossos governantes, possam ser analisadas criticamente e aprimoradas por intermédio de práticas verdadeiramente democráticas.

A presença ostensiva da Polícia Militar causa constrangimentos a essas práticas, como, aliás, se verificou, recentemente, com a condução de vários servidores da Universidade à Delegacia de Polícia, em razão da realização de um ato de paralisação de natureza reivindicatória, o que lhes gerou, dentro da lógica de terror instaurada, a abertura de um Inquérito Administrativo que tem por propósito impingir-lhes a pena da perda do emprego por justa causa.

Dir-se-á que no evento que deu origem à manifestação dos alunos houve, de fato, a constatação da prática de um ilícito e que isso justificaria o ato policial. Mas, quantas não foram as abordagens que não geraram a mesma constatação? De todo modo, a questão é que os fins não justificam os meios ainda mais quando os fins vão muito além do que, simplesmente, evitar a prática de furtos, roubos, assassinatos e consumo de drogas no âmbito da Universidade, como se tem verificado em concreto.

Há um enorme “déficit” democrático na Universidade de São Paulo que de um tempo pra cá a comunidade acadêmica, integrada por professores, alunos e servidores, tem pretendido pôr em debate e foi, exatamente, esse avanço dessa experiência reivindicatória que motivou, em ato de represália, patrocinado pelo atual reitor, o advento da polícia militar no campus, sob a falácia da proteção da ordem jurídica.

A ocupação da Administração da FFLCH pelos alunos, ocorrida desde a última quinta-feira, não é um ato isolado, advindo de um fato determinado, fruto da busca frívola de se “fumar maconha” impunemente no campus. Fosse somente isso, o fato não merecia tanta repercussão. Trata-se, isso sim, do fruto da acumulação de experiências democráticas que se vêm intensificando no âmbito da Universidade desde 2005, embora convivendo, é verdade, com o trágico efeito do aumento das estratégias repressoras. Neste instante, o que deve impulsionar a todos, portanto, é a defesa da preservação dos mecanismos de diálogo e das práticas democráticas. Os alunos, ademais, ainda que o ato tenha tido um estopim, estão sendo objetivos em suas reivindicações: contra a precarização dos direitos dos trabalhadores; contra a privatização do ensino público; contra as estruturas de poder arcaicas e autoritárias da Universidade, regrada, ainda, por preceitos fixados na época da ditadura militar; pela realização de uma estatuinte; e contra a presença da Polícia Militar no Campus, que representa uma forma de opressão ao debate.

O ato dos alunos, portanto, é legítimo porque seus objetivos estão em perfeita harmonia com os objetivos traçados pela Constituição da República Federativa do Brasil, que institucionalizou um Estado Democrático de Direito Social e o fato de estarem ocupando um espaço público para tanto serve como demonstração da própria origem do conflito: a falta de espaços institucionalizados para o debate que querem travar.

A ocupação não é ato de delinquência, trata-se, meramente, da forma encontrada pelos alunos para expressar publicamente o conflito que existe entre os que querem democratizar a Universidade e os que se opõem a isso em nome de interesses que não precisam revelar quando se ancoram na cômoda defesa da “lei”.

Desabafo de quem tava lá

Por Shayene Metri

Cheguei na USP às 3h da manhã, com um amigo da sala. Ia começar o nosso ‘plantão’ do Jornal do Campus. Outros dois amigos já estavam lá. A ideia era passar a madrugada lá na reitoria, ou pelas redondezas. 1) para entender melhor a ocupação, conhecer e poder escrever melhor sobre isso tudo. 2) para estarmos lá caso a PM realmente aparecesse para dar um fim à ocupação.
Conversa vai, conversa vem. O tempo da madrugava passava enquanto ficávamos lá fora, na frente da reitoria, conversando com alunos da ocupação. Alguns com posicionamentos bem definidos (ou inflexíveis), outros duvidando até das próprias atitudes. A questão é: os alunos estavam lá e queriam chamar atenção para a causa (ou as causas, ou nenhuma causa)…e, por enquanto, era só. Não havia nada quebrado, depredado ou destruído dentro da tão requisitada reitoria (a única marca deles eram as pixações). A ocupação era organizada, eles estavam divididos em vários núcleos e tinham medidas pra preservar o ambiente. Aliás, nada de Molotov.
Mais conversa foi jogada fora, a fogueira que aquecia se apagou várias vezes e eu levantei a pergunta pra alguns deles: e se a PM realmente aparecesse lá logo mais? Seria um tiro no pé dela? Ela sairia como herói? Os poucos que conversavam comigo (eram uns 4, além dos amigos da minha sala) ficaram divididos. “Do jeito que a mídia está passando as coisas, eles vão sair como heróis de novo”, disse um. “Se ele vierem vai ter confronto e isso já vai ser um tiro no pé deles”, disse outra. Mas, numa coisa eles concordavam: poucos acreditavam que a PM realmente ia aparecer.
Eu achava que a PM ia aparecer e muito provavelmente isso que me fez ficar acordada lá. Não demorou muito e, pronto, muita coisa apareceu. A partir daí, meu relato pode ficar confuso, acho que ainda não vou conseguir organizar tudo que eu vi hoje, 08 de novembro.

Muitos PMs chegaram, saindo de carros, motos, ônibus, caminhões. Apareceram helicópteros e cavalaria. Nem eu e, acredito, nem a maior parte dos presentes já tinham visto tanto policial em ação. Estávamos em 5 pessoas na frente da reitoria. Dois estudantes que faziam parte da ocupação, eu e mais 2 amigos da minha sala, que também estavam lá por causa do JC. Assim que a PM chegou, tudo foi muito rápido: os alunos da ocupação que estavam com a gente sugeriram: “Corram!”, enquanto voltavam para dentro da reitoria. Os dois amigos que estavam comigo correram para longe da Reitoria, onde a imprensa ainda estava se posicionando para o show. Eu, sabe-se lá por qual motivo, joguei a minha bolsa para um dos meninos da minha sala e voltei correndo para frente da reitoria, no meio dos policiais que avançavam para o Portão principal [e único] da ocupação.
Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo. Enquanto tudo isso acontecia, parte da PM impedia a imprensa de chegar perto da área, impedindo que os repórteres vissem tudo isso. Voltando para confusão onde eu tinha me enfiado: os PMs arrombaram a porta principal, entraram (um grupo de mais ou menos 30, eu acho) e, logo em seguida, fecharam o portão. Trancaram-se dentro da reitoria com os alunos. Coisa boa não era.
Depois disso, o outro grupo de PMs,que impedia a mídia de se aproximar dessas cenas que eu contei , foi abrindo espaço. Quer dizer, não só abrindo espaço, mas também começando (ou fortalecendo) uma boa camaradagem para os repórteres que lá estavam atrás de cenas fortes e certezas.
“Me sigam para cá que vai acontecer um negócio bom pra filmar ali agora”, disse um dos militares para a enxurrada de “jornalistas”.
A cena era um terceiro grupo de PMs, arrombando um segunda porta da reitoria, sob a desculpa de que queria entrar. O repórter da Globo me perguntou (fui pra perto deles depois da confusão em que me meti com os policiais no início): “os PMs já entraram, não? Por que eles tão tentando por aqui também?”. Respondi: “sim, já entraram. E provavelmente estão fazendo essa cena pra vocês terem algum espetáculo pra filmar”
A palhaçada organizada pelos policiais e alimentada pelos repórteres que lá estavam continuou por algumas horas. A imprensa ia contornando a reitoria, na esperança de alguma cena forte. Enquanto isso, PM e alunos estavam juntos, dentro da Reitoria, sem ninguém de fora poder ver ou ouvir o que se passava por lá. Quem tentasse entrar ou enxergar algo que se passava lá na Reitoria, dava de cara com os escudos da tropa de choque, até o fim.

Enquanto amanhecia, universitários a favor da ocupação, ou contra a PM ou simplesmente contra toda a violência que estava escancarada iam chegando. Os alunos pediam para entrar na reitoria. Eu pedia para entrar na reitoria. Tudo que todo mundo queria era saber o que realmente estava acontecendo lá dentro. A PM não levava os estudantes da ocupação para fora e o pedido de todo mundo era “queremos algo às claras”. Por que ninguém pode entrar? Por que ninguém pode sair?
Enquanto os alunos que estavam do lado de fora clamavam para entrar, ouvi de um grupo de repórteres (entre eles, SBT): “Não vamos filmar essas baboseiras dos maconheiros não! O que eles pedem não merece aparecer”. Entre risadas, pra não perder o bom humor. Além dos repórteres que já haviam decidido o que era verdade ou não, noticiável ou não, tinham pessoas misturadas a eles, gritando contra os estudantes, xingando. Eu mesma ouvi muitas e boas como “maconheirazinha”, “raça de merda” e “marginal” .
Os estudantes que enfrentavam de verdade os policiais que faziam a ‘corrente’ em torno da Reitoria eram levados para dentro. Em questões de segundos, um estudante sumia da minha frente e era levado pra dentro do cerco. Para sabe-se lá o que.
Lá pras 7h30, depois de muito choro, puxões e algumas escudadas na cara, comecei a ver que os PMs estavam levando os estudantes da ocupação para dentro dos ônibus. Uma menina foi levada de maneira truculenta, essa foi a única coisa que meu 1,60m de altura conseguiu ver por trás de uma corrente da tropa de choque. Enquanto eu tentava entrar no cerco, para entender a história, a grande mídia já estava lá dentro. Fui conversar com um militar, explicar da JC. Ouvi em troca “ai, é um jornal da usp. De estudantes, não pode. Complica”.
Os ônibus com os alunos presos saíram da USP. Uma quantidade imensa de outros alunos gritavam com a PM. Eu e os dois amigos da minha sala (aqueles da madrugada) pegamos o carro e fomos para a DP.
Na DP, o sistema era o mesmo e meu cansaço e raiva só estavam maiores. Enjoo e dor de cabeça, era o meu corpo reagindo a tudo que eu vi pela manhã. Alunos saiam de 5 em 5 do ônibus para dentro da DP. Jornalistas amontoados. Familiares chegando. Alunos presos no ônibus, sem água, sem banheiro, sem comida, mas com calor. Pelo menos por umas 3h foi assim.
Enquanto a ficha caia e eu revisualizava todo o horror da reintegração de posse, outras pessoas da minha sala mandavam mensagens para gente, de como a grande imprensa estava cobrindo o caso. Um ato pacífico, né Globo? Não foi bem isso o que eu vi, nem o que o JC viu, nem o que centenas de estudantes presenciaram.

Enfim, sou contra a ocupação. Sempre tive várias críticas ao Movimento Estudantil desde que entrei na USP. Nunca aceitei a partidarização do ME. Me decepciono com a falta de propostas efetivas e com as discussões ultrapassadas da maioria das assembléias. Mas, nada, nada mesmo, justifica o que ocorreu hoje. Nada pode ser explicação pra violência gratuita, pro abuso do poder e, principalmente, pela desumanização da PM.
Não costumo me envolver com discussões do ME, divulgar textos ou participar ativamente de algo político do meio universitário. Mas, como poucos realmente sabem o que aconteceu hoje (e eu acredito que muita coisa vai ser distorcida a partir de agora, por todos os lados), achei que valeria a pena escrever esse texto. Taí o que eu vi.

Esclarecendo o caso USP (pra quem vê de fora)

Por Jannerson Xavier

Somos alunos da ECA-USP e visto a falta de imparcialidade da mídia com referência aos últimos acontecimentos ocorridos dentro da Universidade de São Paulo, cremos ser importante divulgar o cenário real do que realmente se passa na USP. Alguns fatos importantes que gostaríamos de mostrar:

– O incidente do dia 27/10/11, quando 3 alunos foram pegos portando maconha, NÃO foi o ponto de partida das reivindicações estudantis. Aquele foi o estopim para insatisfações já existentes.

– Portanto, gostaríamos de explicitar que a legalização da maconha, seja dentro da Cidade Universitária ou em qualquer espaço público, não é uma reivindicação estudantil. Alguns grupos até estão discutindo essa questão, mas ela NÃO entra na pauta de discussões que estamos tendo na USP.

– Os alunos da USP NÃO são uma unidade. Dentro da Universidade há diversas unidades (FFLCH, FEA, Poli, etc.) e, dentro de cada unidade, grupos com diferentes opiniões. Por isso não se deve generalizar atitudes de minorias para uma universidade inteira. O que estamos fazendo, isso no geral, é sim discutir a situação atual em que se encontra a Universidade.

– O Movimento Estudantil, responsável pelos eventos recentes, NÃO é uma organização e tampouco possui membros fixos. Cada ação é deliberada em assembleia por alunos cuja presença é facultativa. O que há é uma liderança desse movimento, composta principalmente por membros do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e dos CAs (Centros Acadêmicos) de cada unidade. Alguns são ligados a partidos políticos, outros não.

– Portanto, os meios pelos quais o Movimento Estudantil se mostra (invasões, pixações, etc.) não são decisão de maiorias e, portanto, são passíveis de reprovação. Seus fins (ou seja, os pontos reais que são discutidos), no entanto, têm adesão muito maior, com 3000 alunos na assembleia do dia 08/11.

– Apesar de reprovar os meio usados pelo Movimento Estudantil (invasões, depredação), não podemos desligitimar as reivindicações feitas por esses 3000 alunos. Os fatos não podem ser resumidos a uma atitude de uma parcela muito pequena dos universitários.

Sabendo do que esse movimento NÃO se trata, seguem suas reinvidicações:

DISCUSSÃO DO CONVÊNIO PM-USP / MODELOS DE SEGURANÇA NA USP

A reivindicação estudantil não é: PM FORA DO CAMPUS, mas antes SEGURANÇA DENTRO DO CAMPUS. Os estudantes crêem na relação dessas reivindicações por três motivos:

-A PM não é o melhor instrumento para aumentar a segurança, pois a falta de segurança da Cidade Universitária se deve, entre outros fatores, a um planejamento urbanístico antiquado, gerando grandes vazios. Iluminação apropriada, política preventiva de segurança e abertura do campus à populacão (gerando maior circulação de pessoas) seriam mais efetivas. Mas, acima de tudo…

-A Guarda Universitária deve ser responsável pela segurança da universidade. Essa guarda já existe, mas está completamente sucateada. Falta contingente, treinamento, equipamento e uma legislação amparando sua atuação. Seria muito mais razoável aprimorá-la a permitir a PM no campus, principalmente porque…

-A PM é instrumento de poder do Estado de São Paulo sobre a USP, que é uma autarquia e, como tal, deveria ter autonomia administrativa. O conceito de Universidade pressupõe a supremacia da ciência, sem submissão a interesses políticos e econômicos. A eleição indireta para reitor, com seleção pessoal por parte do governador do Estado, ilustra essa submissão. O atual reitor João Grandino Rodas, por exemplo, era homem forte do governo Serra antes de assumir o cargo.

POSTURA MAIS TRANSPARENTE DO REITOR RODAS / FIM DA PERSEGUIÇÃO AOS ALUNOS

Antes de tudo, independentemente de questões ideológicas, Rodas está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por corrupção, sob acusação de envolvimento em escândalos como nomeação a cargos públicos sem concurso (inclusive do filho de Suely Vilela, reitora anterior a Rodas), criação de cargos de Pró-Reitor Adjunto sem previsão orçamentária e autorização legal, e outros.

No mais, suas decisões são contrárias à autonomia administrativa que é direito de toda universidade. Depois de declarar-se a favor da privatização da universidade pública, suspendeu salários em ocasiões de greve, anunciou a demissão em massa de 270 funcionários e, principalmente, moveu processos contra alunos e funcionários envolvidos em protestos políticos.

Rodas, em suma: foi eleito indiretamente, faz uma gestão corrupta e destrói a autonomia universitária.

Você pode estar pensando…

MAS E O ALUNO MORTO NO ESTACIONAMENTO DA FEA-USP, ENTRE OUTRAS OCORRÊNCIAS?
Sobre o caso específico, a PM fazia blitz dentro da Cidade Universitária na noite do assassinato. Ainda é bom lembrar que a presença da PM já vinha se intensificando desde sua primeira entrada na USP, em Junho/2009 (entrada permitida por Rodas, então braço-direito de Serra). Mesmo assim, ela não alterou o número de ocorrências nesse período comparado com o período anterior a 2009. Ao contrário, iniciou um policiamento ostensivo, regularmente enquadrando alunos, mesmo em unidades nas quais mais estudantes apoiam sua presença, como Poli e FEA

MAS E A DIMINUIÇÃO DE 60% NA CRIMINALIDADE APÓS O CONVÊNIO USP-PM?

Registro de ocorrências criminais na USP/Butantã

São dados corretos. Porém a estatística mostra que esta variação não está fora da variação anual na taxa de ocorrências dentro do campus. A PM, portanto, não causou diminuição real da criminalidade na USP antes ou depois do convênio. Lembre-se: ela já estava presente no início do ano, quando a criminalidade disparou.

MAS, AFINAL, PARA QUE SERVE A TAL AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA?
Serve para que a Universidade possa cumprir suas funções da melhor maneira possível. De maneira simplista, são elas:
– Melhorar a sociedade com pesquisas científicas, sem depender de retorno financeiro imediato.
– Formar cidadãos com um verdadeiro senso crítico, pois mera especialização profissional é papel de cursos técnicos e de tecnologia.

Importante: autonomia universitária total não existe. O dinheiro vem sim do Governo, do contribuinte, porém a autonomia universitária não serve para tirar responsabilidades da Universidade, mas sim para que ela possa cumprir essas responsabilidades melhor.

COMO ISSO ME AFETA? POR QUE EU DEVERIA APOIA-LOS?
As lutas que estão ocorrendo na USP são localizadas, mas tratam de temas GLOBAIS. São duas bandeiras: SEGURANÇA e CORRUPÇÃO, e acreditamos que opiniões sobre elas não sejam tão divergentes. Alguém apoia a corrupção? Alguem é contra segurança?

O que você acha mais sensato:
– Rechaçar reivindicações justas por conta de depredações e atos reprováveis de uma minoria, ou;
– Aderir a essas mesmas reivindicações, propondo ações mais efetivas?
Você tem a liberdade de escolher, contra-argumentar ou mesmo ignorar.
Mas lembre-se de que liberdade só existe com esclarecimento.
Esperamos ter contribuído para isso.
Se você se interessa pelo assunto, pode começar lendo este depoimento: http://on.fb.me/szJwJt (Desabafo de quem tava lá)
PS: Já que a desconfiança é com a mídia, evitamos linkar material de qualquer veículo.

USP: Um Desabafo

Por Igor Machado de Azevedo Bossonaro

Aviso: Esse artigo possui 6 páginas. Se você achar longo demais não se preocupe, certamente a VEJA ou a GLOBO poderão te dar um resuminho que você será capaz de processar em 3 minutinhos, antes de assistir o Big Brother. Obrigado por nos visitar.

“Cinco da manhã. Você mora no CRUSP, mas não é afiliado a partido nenhum. Sempre foi apenas estudar, diz que se sente orgulhoso pela coroação do seu próprio esforço em conseguir passar na USP, e por isso mesmo sempre foi contra qualquer paralização – a Universidade é para estudar, não é para discutir política. Você estuda Literatura, então te interessa discutir o texto crítico que fala da obra literária que fala de política. Essa é sua carreira. Então começa a respirar mal, dormindo, porque tem gás lacrimogênio entrando pela sua janela. Tenta sair, mas tem luz de helicoptero na sua cara. Ouve bala de borracha de madrugada, e criança chorando, vê de relance cavalos e fuzis de verdade, gente algemada, gente gritando. Chega mais perto no meio da fumaça, para ver o que é. Sente a força nas costas, cai no chão. É algemado. Entenderam tudo errado. Você não queria ajudar ninguém…”
-Yuri Bossonaro.

Esse artigo tem como objetivo lançar uma luz sobre os eventos lamentáveis do dia 08/11, ultima terça, quando a ocupação da reitoria na USP se tornou uma zona de guerra com mais de 400 policiais da tropa de choque, 3 helicópteros, policia montada, fuzis, gás lacrimogêneo e bala de borracha. 72 estudantes e funcionários da USP foram detidos. Dezenas de outros, como o coitado do texto acima, apanharam por estar no lugar errado na hora errada.
A despeito de minha raiva instantânea por tudo o que aconteceu, o pior veio depois, ao me deparar com a hedionda complacência e quase admiração com que amigos, familiares e tantos outros aplaudiram as ações da PM, como se estivéssemos falando da ocupação de um morro tomado por traficantes e não da invasão de uma reitoria repleta de alunos, estudantes…
Talvez isso se deva ao fato de que grande parte dessas pessoas não tenha a menor idéia de quem seja João Grandino Rodas, o reitor da USP e responsável pelo “massacre” da ultima terça, e também não tenha a menor idéia do que os alunos realmente reivindicavam. Prefiro tentar manter algum otimismo ou esperança na minha espécie.
Decidi perfurar o “lobby” da grande midia uma vez mais e fornecer algumas informações. O que cada um fará com elas, ou se elas serão capazes de mudar a cabeça de alguém, ja nao posso dizer. Só não posso me calar.
Antes de falar sobre o ocorrido da ultima terça, acho interessante um breve esclarecimento sobre os 3 principais elementos da tragédia: Os estudantes da FFLCH, João Grandino Rodas e a Policia Militar Brasileira.

Sobre os estudantes:
Segundo ranking internacional feito pela Top Universities, nove cursos da USP figuram entre os 200 melhores do mundo. Dentre esses, seis são da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas: Filosofia, Sociologia, História, Lingüística, Ciências Políticas e Geografia.

Posto que esse índice mede o resultado do aprendizado do aluno, é interessante citá-lo para mostrar como aqueles barbudos subversivos que nossa mídia marrom tem pintado como um “bando de baderneiros sem causa” são na verdade as maiores mentes de nosso país, pelo menos sob o aspecto acadêmico.
Pode-se alegar que os responsáveis pela ocupação na reitoria não representam a vontade de todos os alunos da FFLCH, isso é fato. Mas se existem divergências quanto aos meios adotados pelos ocupantes e os demais alunos, o mesmo não se aplica aos fins. Que fins são esses? Voltaremos nisso em breve.

Sobre João Grandino Rodas:
Reitor da USP, colocado lá por José Serra em 2009, Grandino Rodas participa do corpo docente da universidade a muito mais tempo, possuindo um histórico bastante questionável de relacionamento com militares durante o período da ditadura. Possui um processo investigativo de desvio/uso indevido de milhões de verba publica na universidade.
Rodas também está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por corrupção pelo envolvimento em escândalos como nomeação a cargos públicos sem concurso (inclusive do filho de Suely Vilela, reitora anterior a Rodas), criação de cargos de Pró-Reitor Adjunto sem previsão orçamentária e autorização legal, e outros.
É considerado o reitor mais ausente da história da universidade, jamais se colocando a disposição tanto dos alunos quanto do próprio corpo docente, sendo inclusive o primeiro reitor da história a ser considerado “persona non grata” pela Congregação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em represália a constantes ataques contra seu atual diretor.
Desde muito antes dos recentes episódios que colocaram em cheque a segurança da universidade, como o assassinato do aluno no estacionamento, já possui um histórico extremamente próximo com a Policia Militar. Em 22 de agosto de 2007, na época diretor da Faculdade de Direito, foi responsável pela entrada da tropa de choque na Faculdade, expulsando manifestantes da UNE e do MST, estudantes e membros do diretório acadêmico que haviam ocupado o prédio como parte das manifestações da Jornada da Defesa da Educação.
Em janeiro de 2011 foi responsável pela demissão em massa de 270 funcionários, por corte de verbas – a despeito dos imensos desvios e má aplicação do orçamento. Esse fato e diversas outras denuncias lhe renderam um convite para prestar esclarecimentos na Assembléia Legislativa de São Paulo (24 de março de 2011), mas ele não compareceu. Ele também não compareceu a dezenas de outras reivindicações e assembléias convocadas pelos alunos e professores ao longo de seu mandato. O que se fala é que é mais eficiente reclamar para Deus do que para João Grandino Rodas, no que concerne qualquer problema, duvida ou questionamento a respeito do que se passa na USP.

Sobre a Polícia Militar
Considerada uma das policias mais violentas do mundo, é um órgão que durante as décadas de ditadura foi usado como maquina de repressão do estado sobre a população. Foi NO MÍNIMO indiretamente responsável ou NO MÍNIMO complascente com o desaparecimento e assassinato de pelo menos 475 pessoas, segundo o livro “Direito a memória e à verdade”, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos na ultima década.
Durante o período da ditadura a Policia Militar e a USP tiveram um relacionamento particularmente tenso, já que os principais movimentos de combate à ditadura no Brasil nasceram na universidade. Uma parcela considerável de nossos desaparecidos políticos daquele período eram alunos ou professores.
É uma policia subordinada aos governos dos estados e não às prefeituras, um modelo bastante raro no mundo. É apenas uma das muitas alternativas para assegurar a segurança pública, como a Policia Civil ou a Guarda Civil da USP, que deixou de receber treinamento e investimento por decisão do próprio Grandino.
Protagonizaram diversos eventos recentes de abuso de violência e repressão a artistas de rua, passeatas pacíficas ou movimentos como o Acampa Sampa.
O então delegado da Policia Militar (e hoje deputado estadual) Hélio Luz deu um chocante depoimento no documentário “Noticias de uma Guerra Particular” onde ele é bem categórico em dizer que “a polícia faz o papel de ‘proteção da elite’ e só pode usar a repressão para controlar dois milhões de pessoas nas favelas”. Ele admite que a polícia é uma instituição corrupta e afirma que “nós garantimos uma sociedade injusta”.

Apresentados os personagens da tragédia, vamos aos fatos.
A despeito da crença popular de que o fato que desencadeou na invasão da reitoria e subseqüente violência da ultima terça tenha sido a prisão de 3 estudantes por estar fumando maconha no campus, os problemas do movimento estudantil que resultaram na ocupação da reitoria datam de muito antes.
A USP carece de planejamento urbanístico que favoreça a segurança, carece de iluminação apropriada e desde que Grandino Rodas assumiu a Guarda Universitária – real responsável pela segurança da autarquia (significa pela constituição que possui direito à autonomia administrativa) que é a USP – tem sofrido constantes cortes orçamentários, cortes em treinamento, equipamento, etc.
Isso já é pauta de discussão entre os diversos membros do movimento estudantil faz anos. Grandino Rodas não apenas ignorou durante anos os apelos do movimento, como adotou algumas outras medidas “excelentes” para a segurança da faculdade, como proibir a circulação de não-alunos nas dependências da Universidade.
Obviamente essa proibição vale apenas para as pessoas que como eu ou você, usam a portaria da USP, mas não para os trombadinhas ou traficantes que pulam os muros ou se embrenham pelas matas que cercam o campus. A USP já era um local ermo, se tornou um lugar ainda mais vazio. Sem iluminação e sem investimento algum em segurança, se tornou realmente terra de ninguém.
O que poucos enxergam é que isso foi deliberadamente provocado por Rodas ao longo de anos, sob constantes protestos e reclamações do corpo estudantil, para criar uma situação que JUSTIFICASSE a presença da PM na universidade.
As reivindicações dos alunos que invadiram a reitoria e foram arrancados de lá na porrada essa semana não eram “poder fumar maconha no campus”. O que eles queriam era o que já estavam pedindo a anos: Investimento real na segurança da Universidade, mas não abrindo as portas para a PM e fechando para a população (o que Rodas fez).
Grande parte do movimento estudantil da USP era contrário à ocupação do prédio da reitoria, mas são TOTALMENTE solidários às reivindicações listadas acima. Prova disso é a adesão de mais de 3000 alunos na assembléia realizada no dia 08/11, onde se decidiu pela greve.
Todas as decisões de Rodas nos últimos anos confluem para um único fim: Coibir a autonomia administrativa da universidade. Implodir sua estrutura de forma a justificar uma presença cada vez mais constante do estado, um movimento para a privatização das universidades e sua subseqüente subordinação ao segundo setor.

A palavra “Democracia” é derivada do grego “demo” (povo) e “cracia” (poder ou governo). Em um mundo onde nossa “democracia” tem se tornado uma ditadura subliminar, em que o estado se coloca sobre o povo e as empresas e corporações se colocam sobre o estado, a USP (berço intelectual, historicamente responsável pelo nascimento da maioria das revoluções que nosso país conheceu) possuir autonomia administrativa é uma imensa ameaça e um incomodo a ser extirpado.
E usando os bons e velhos artifícios de MEDO para convencer a população de que é preferível abrir mão da própria liberdade para ter segurança (11/09 e o ato patriótico nos EUA, só pra dar um exemplo bem recente) os grandes veículos de mídia, subordinados ao estado e às grandes empresas, estão conseguindo virar a opinião pública contra aqueles que lutam pela nossa liberdade.

Agora está feito. Você pode ter lido (talvez pela primeira vez) os motivos REAIS da ocupação no prédio da reitoria, pode ter ouvido um outro ponto de vista, e continuar achando tudo isso sem significado, continuar achando a causa vazia. Tudo bem.
Não acho que toda a população precise concordar com os motivos de um protesto ou de outro. Como me disseram ontem e eu concordo, “democracia também é divergência de opiniões”. A única coisa que espero da população é que não concorde com a violência que rolou. O cassetete que usaram é um só, pra bater na cabeça deles ontem e na minha (e na sua) amanhã.
Há um direito que antecede o direito codificado, o direito natural. Um código inerente à humanidade presente em todo ser humano, que faz a morte ser crime em quase todo canto, ou acende a luz dentro da maioria, criando desconforto ao saber do apenamento com a morte. Estrahamente esse mesmo código não indica à maioria que, NUNCA, meninos ou homens podem ser espancados, mesmo após condenação. Simplesmente não consigo entender o sangue nos olhos, quase em júbilo, com que algumas pessoas defenderam a violencia que foi perpretada na USP ontem. Me faz me perguntar se estamos perdendo nossa humanidade. Nós evoluimos alguma coisa desde que ficavamos em arquibancadas do coliseu babando enquanto gladiadores eram decapitados ?
Sei que toda generalização é burra, que não existe apenas um tipo A e um tipo B de pessoa, e também não gosto de ficar citando rede social de internet em meus textos, acaba zicando um pouco o ar de “atemporalidade” que eu gosto de dar para eles. Mas é impressionante como todas as pessoas que ontem de manha, no Facebook, estavam defendendo a invasão violenta da PM na reitoria, que estavam chamando os estudantes de “maconheiros sem causa”, de noite já estavam falando sobre a novela, o jogo de futebol, postando foto do brigadeiro que fizeram no microondas. E aqueles que se horrorizaram com o que aconteceu, que replicaram os manifestos dos estudantes, as fotos da violencia, de noite continuavam trocando textos, informações, se indignando. E hoje continuaram fazendo o mesmo…
E esse primeiro “tipo A” hipotético (a do futebol ou da novela) também é o mesmo tipo de pessoa que costumava usar os jargões “Dilma terrorista” ou “Bolsa-Esmola”, entre outros. É nosso brasileiro burguês médio, que só gosta de discutir politica na medida necessária para não fazer feio nas conversas de escritório, mas no fundo não está realmente interessado em nada e prefere viver como escravo – fingindo que é livre por poder trocar o Iphone todo ano – do que enxergar a verdade desconfortável.
É o cara que se tivesse vivido em 70 e poucos no Brasil, chamaria o guerrilheiro que lutava contra a ditadura de “ladrão” ou “terrorista”, e que acharia que é OK um estudante ou professor sumir ou tomar um tiro numa ruela por aí, afinal eles estavam “pedindo por isso mesmo”.
Todo mundo quer que as coisas fiquem bem, sem ter que limpar a sujeira depois. É patético o argumento de que “nao queremos pagar a conta” de meia de duzia de móveis quebrados na reitoria, enquanto Rodas esta sendo investigado por desvios de MILHÕES ! A desinformação do povo me dói o estomago …..
Como diria o ditado popular, “as vezes é necessário quebrar alguns ovos para fazer uma omelete”. Mas o burgues brasileiro médio é do tipo que come em restaurantes, ele nao sabe quebrar ovos nem fazer omelete.
Uma vez mais, cabe aos “barbudos que moram de aluguel” oferecer a outra face (e infelizmente as vezes uma cadeira ou um tomate) para o cassetete e o escudo da tropa de choque, na luta para construir as mudanças das quais um dia todos esperamos usufruir …
Mais de 3 mil estudantes se reuniram, em greve, não só os “barbudos maconheiros inuteis” mas também seus futuros advogados e médicos, dispostos a discutir o que aconteceu e por um fim no terror que se instituiu na USP. Mas todos eles devem ser mesmo apenas um bando de desocupados lutando por seu direito de fumar maconha livremente e estar acima da lei …

Encerro meu texto com um pedido simples e direto: Ninguém é obrigado a ter uma opinião sobre esse assunto (ainda que eu ache estranho que isso nao ocorra naturalmente). Ninguém é obrigado a concordar com isso tudo, aliás falei com muita gente razoável e inteligente que continua sendo contra a ocupação e não tenho problema algum com isso. Ninguém é obrigado a ter uma causa, em primeiro lugar. Conheço pessoas incríveis que preferem fazer milhares de coisas em vez de se aborrecer com política e respeito isso totalmente. São as pessoas tipo C, D, E, F, G, etc desse mundo. Diversidade é essencial em qualquer sociedade saudável.
Mas, às pessoas que ficaram lotando meu facebook, caixa de e-mail ou meus ouvidos mesmo, com argumentos parcos sobre “maconheiros vagabundos” e sobre como a policia “tem mais é que descer o cacete”. A essas pessoas eu mando um recado.
Todo mundo que quiser opinar sobre o assunto com essa intensidade – nem que seja para condenar os estudantes e defender Rodas e a PM – tem que se informar o mínimo primeiro.
Toda discordância, todo questionamento, será benvindo e acrescenta na discussão. Isso é democracia. Mas falar sem pensar não acrescenta. É só produzir barulho.
Melhor voltar pro Big Brother.
Se não for ajudar, pelo menos não atrapalhe.

NOTA POSTERIOR À PUBLICAÇÃO DESSE ARTIGO – Hoje, dia 11/11, o Estado de São Paulo anunciou a decisão da PM em construir sua primeira unidade DENTRO da Universidade de São Paulo. Já existe planejamento de local, construção, já existe projeto feito.
Mais do que nunca sou levado a acreditar que a prisão dos 3 estudantes fumando maconha na outra semana foi um ato deliberado feito com o objetivo de criar revolta nos estudantes e atrair a atenção da midia, garantindo a manipulação da opinião publica.
A PM tem circulado pela USP faz semanas, e a despeito do consumo de maconha la dentro realmente ocorrer com certa liberdade, nunca ninguém foi preso. De repente, uma semana antes de anunciarem a criação dessa unidade dentro do Campus, a policia resolveu prender alguém. Coincidência ?
Acho que não … E infelizmente os estudantes morderam a isca…