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“Prende e arrebenta”

Diogo Vargas tinha acabado de tomar um café na copa da reitoria da Universidade de São Paulo quando foi avisado de que a Tropa de Choque da Polícia Militar havia chegado. O estudante de Comunicação Social mal teve tempo de entender o que ocorria: viu pela janela centenas de policiais à espreita. Enquanto corria, tentava avisar os colegas da ocupação, sem sucesso. Em pouco tempo, todos estavam encurralados pela PM em uma escada de incêndio do prédio.

"Isso tudo não teria acontecido se na universidade houvesse um debate mais democrático", acredita Vladimir Safatle, professor

Acabava de amanhecer na terça-feira 8. As imagens dos 73 estudantes presos corriam o País. A operação com 400 policiais foi aplaudida pela sociedade, que parou para ver a trajetória dos estudantes “baderneiros, filhinhos de papai”, que depredaram o patrimônio público e desobedeceram à lei.

Conforme a poeira assenta, outros aspectos começam a surgir. Abusos policiais foram denunciados, como o amordaçamento de uma estudante que entrou em pânico na perseguição. O conjunto residencial da USP foi cercado e estudantes afirmam ter sido impedidos de sair de -suas casas durante a operação. Além disso, os episódios que ocorreram na reitoria, entre a entrada dos PMs e a saída dos detentos, estão mal esclarecidos. Estudantes dizem que a própria PM depredou o patrimônio, quebrando vidros e equipamentos.

A ocupação da reitoria, contestada até mesmo por setores do movimento estudantil, foi um erro político, segundo Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia da instituição. Radical, foi um passo estrategicamente equivocado, que só serviu para estigmatizar a manifestação. Mas os eventos de terça 8 criaram um rebuliço político entre alunos que até então viam o episódio com desconfiança. Na terça à noite, 3 mil pessoas, segundo o Diretório Central dos Estudantes (DCE), compareceram a uma assembleia dos alunos da universidade e decretaram greve das atividades acadêmicas. “Tudo isso fez a conscientização dos estudantes crescer em relação à repressão”, comenta o juiz Jorge Luiz Souto Maior, professor da Faculdade de Direito.

A situação é uma reação à falta de democracia na instituição. “A reitoria não ouve os alunos e vai criando ressentimentos. Qualquer coisa pode servir como faísca. Isso nunca teria ocorrido se na USP houvesse um debate mais democrático.” O filósofo desmistifica o argumento de que alunos são compostos de pessoas de alta renda. “Aluno de classe rica não tenho quase nenhum”, diz.

Para Souto Maior, o problema é a falta de compreensão da administração da USP sobre os movimentos sociais que existem internamente. Com o argumento do respeito à lei, a reitoria reprimiu os estudantes politicamente e evitou o debate democrático. “O tamanho desproporcional da operação foi para mostrar poder. A razão impulsional foi reprimir uma ação política.” Segundo Luiz, ainda falta espaço na democracia brasileira para a livre discussão e ação política espontânea. O episódio na USP seria um reflexo.

Após a retirada dos manifestantes instalados na reitoria, os estudantes convocaram uma greve

Assim, a discussão central de todo o episódio – a presença da Polícia Militar no campus como solução para o aumento dos índices de criminalidade no local – passa pela crítica ao modelo de decisões da universidade. Souto Maior afirma que a universidade tem de ser um ambiente de debate e de efervescência política, que não pode ser reprimido dessa maneira. Além disso, todo o evento deve ser encarado como uma ação política, e não vista simplesmente pela ótica da legalidade.

O reitor João Grandino Rodas aprovou em maio passado a entrada da Polícia Militar no campus em um convênio para a implantação da polícia comunitária. O convênio foi assinado poucos dias depois do assassinato do estudante de Ciências Atuariais Felipe Ramos Paiva, em uma tentativa de assalto no estacionamento da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). O tema, tratado em debates há anos na USP, tornou-se alvo de críticas de estudantes, professores e funcionários. Questões como repressão política e a própria forma de abordagem da polícia são argumentos usados contra o convênio.

O plano foi efetivado no início de setembro. As blitze, que tinham aumentado substancialmente desde o assassinato, se intensificaram e rondas da PM passaram a ser comuns. O projeto faz parte de uma tentativa da própria corporação de integração de direitos humanos às suas práticas. “A Polícia Comunitária passa a ser ponto de referência na comunidade. Você começa a criar uma relação de confiança e as pessoas começam a passar informação”, explica Álvaro Batista Camilo, comandante-geral da Polícia Militar. A estratégia foi utilizada em comunidades e bairros da capital, como o emblemático caso do Morumbi, onde diversas bases foram instaladas entre o bairro de classe média alta e a favela Paraisópolis, e é responsável por um sistema para identificar traficantes e ladrões, segundo o comandante.

Desde o início das atividades do convênio, estudantes relatam as constantes abordagens. “Os policiais estão lá para garantir segurança aos estudantes, mas estes acabam sendo alvo da ação policial”, afirma Safatle. Wesllen Souza, do 1º ano do curso de Ciências Sociais e morador do Crusp, diz ter sido abordado cinco vezes desde que o convênio começou a funcionar há dois meses. Souza, que é negro, rapper e de baixa renda, afirma sofrer muito mais que colegas brancos, de alta renda e com outro estilo. “Como aqui na USP não tem muitos negros, você acaba sendo um alvo fácil.” Além de racismo, os policiais teriam demonstrado preconceitos sociais. Em duas das vezes em que foi enquadrado, Souza estava sem a carteira de identificação de estudante. A abordagem foi muito pior. “Enfiaram a mão na minha cueca e tive que tirar a camisa.” Safatle reflete: “Não sei quem está seguro com uma polícia dessas, inadaptada para lidar com problemas sociais e com heranças profundas da ditadura”.

Seja como for, a ação de terça 8 não contribuiu para melhorar a imagem que a PM tem dentro do campus. Vargas e Rodrigo Marzano, estudante de Artes Plásticas, também detido, reclamam da tortura psicológica constante durante a prisão e da humilhação. Marzano destaca a convicção com que os PMs os chamavam de bandidos.

A atuação da mídia foi outro ponto que marcou os estudantes. Ariscos a qualquer aparição e temerosos, os participantes da ocupação rechaçaram a presença da mídia e mantiveram rostos cobertos durante todo o tempo. Na assembleia do dia 1º, provocações mútuas criaram um conflito entre as duas partes. Marzano relata ter recebido provocações frequentes por parte de jornalistas. Segundo ele, quando saía do prédio, já detido e com as mãos na cabeça, ouviu um dos repórteres dizer: “Ah, agora vocês estão aí”.

Vargas conta que percebeu nos policiais uma preocupação em mostrar tudo à mídia, cinematograficamente. Ao chegarem ao DP, por exemplo, sentados com a cabeça entre as pernas e sem poder ver nada, afirma ter ouvido a frase: “A Globo chegou. Agora pode soltar eles”.

O consumo de maconha foi outro tema que permeou todo o debate. O movimento de ocupação teve início em 27 de outubro, após três estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), que consumiam a droga, serem autuados por policiais. Em decorrência, cerca de 500 alunos da faculdade iniciaram um protesto para impedir a prisão dos colegas. O incidente acabou em confronto com policiais, que utilizaram bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha. Na mesma noite, um grupo envolvido no episódio decidiu ocupar a administração da faculdade, ocupação transferida para a reitoria em 1ºde novembro.

Apesar de classificar a ocupação como radical, Safatle condena o comportamento da PM. A reação policial, segundo ele, foi completamente desproporcional. “A Universidade é lugar para pesquisar e estudar, não para beber e fumar maconha, mas há maneiras muito mais inteligentes de se lidar com isso do que da forma como ocorreu.”

“A questão agora é o que fazer daqui para frente”, comenta Souto Maior. A reitoria está desocupada, mas o debate continua. Os estudantes parecem dispostos a manter o assunto em voga.

Desabafo de quem tava lá

Por Shayene Metri

Cheguei na USP às 3h da manhã, com um amigo da sala. Ia começar o nosso ‘plantão’ do Jornal do Campus. Outros dois amigos já estavam lá. A ideia era passar a madrugada lá na reitoria, ou pelas redondezas. 1) para entender melhor a ocupação, conhecer e poder escrever melhor sobre isso tudo. 2) para estarmos lá caso a PM realmente aparecesse para dar um fim à ocupação.
Conversa vai, conversa vem. O tempo da madrugava passava enquanto ficávamos lá fora, na frente da reitoria, conversando com alunos da ocupação. Alguns com posicionamentos bem definidos (ou inflexíveis), outros duvidando até das próprias atitudes. A questão é: os alunos estavam lá e queriam chamar atenção para a causa (ou as causas, ou nenhuma causa)…e, por enquanto, era só. Não havia nada quebrado, depredado ou destruído dentro da tão requisitada reitoria (a única marca deles eram as pixações). A ocupação era organizada, eles estavam divididos em vários núcleos e tinham medidas pra preservar o ambiente. Aliás, nada de Molotov.
Mais conversa foi jogada fora, a fogueira que aquecia se apagou várias vezes e eu levantei a pergunta pra alguns deles: e se a PM realmente aparecesse lá logo mais? Seria um tiro no pé dela? Ela sairia como herói? Os poucos que conversavam comigo (eram uns 4, além dos amigos da minha sala) ficaram divididos. “Do jeito que a mídia está passando as coisas, eles vão sair como heróis de novo”, disse um. “Se ele vierem vai ter confronto e isso já vai ser um tiro no pé deles”, disse outra. Mas, numa coisa eles concordavam: poucos acreditavam que a PM realmente ia aparecer.
Eu achava que a PM ia aparecer e muito provavelmente isso que me fez ficar acordada lá. Não demorou muito e, pronto, muita coisa apareceu. A partir daí, meu relato pode ficar confuso, acho que ainda não vou conseguir organizar tudo que eu vi hoje, 08 de novembro.

Muitos PMs chegaram, saindo de carros, motos, ônibus, caminhões. Apareceram helicópteros e cavalaria. Nem eu e, acredito, nem a maior parte dos presentes já tinham visto tanto policial em ação. Estávamos em 5 pessoas na frente da reitoria. Dois estudantes que faziam parte da ocupação, eu e mais 2 amigos da minha sala, que também estavam lá por causa do JC. Assim que a PM chegou, tudo foi muito rápido: os alunos da ocupação que estavam com a gente sugeriram: “Corram!”, enquanto voltavam para dentro da reitoria. Os dois amigos que estavam comigo correram para longe da Reitoria, onde a imprensa ainda estava se posicionando para o show. Eu, sabe-se lá por qual motivo, joguei a minha bolsa para um dos meninos da minha sala e voltei correndo para frente da reitoria, no meio dos policiais que avançavam para o Portão principal [e único] da ocupação.
Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo. Enquanto tudo isso acontecia, parte da PM impedia a imprensa de chegar perto da área, impedindo que os repórteres vissem tudo isso. Voltando para confusão onde eu tinha me enfiado: os PMs arrombaram a porta principal, entraram (um grupo de mais ou menos 30, eu acho) e, logo em seguida, fecharam o portão. Trancaram-se dentro da reitoria com os alunos. Coisa boa não era.
Depois disso, o outro grupo de PMs,que impedia a mídia de se aproximar dessas cenas que eu contei , foi abrindo espaço. Quer dizer, não só abrindo espaço, mas também começando (ou fortalecendo) uma boa camaradagem para os repórteres que lá estavam atrás de cenas fortes e certezas.
“Me sigam para cá que vai acontecer um negócio bom pra filmar ali agora”, disse um dos militares para a enxurrada de “jornalistas”.
A cena era um terceiro grupo de PMs, arrombando um segunda porta da reitoria, sob a desculpa de que queria entrar. O repórter da Globo me perguntou (fui pra perto deles depois da confusão em que me meti com os policiais no início): “os PMs já entraram, não? Por que eles tão tentando por aqui também?”. Respondi: “sim, já entraram. E provavelmente estão fazendo essa cena pra vocês terem algum espetáculo pra filmar”
A palhaçada organizada pelos policiais e alimentada pelos repórteres que lá estavam continuou por algumas horas. A imprensa ia contornando a reitoria, na esperança de alguma cena forte. Enquanto isso, PM e alunos estavam juntos, dentro da Reitoria, sem ninguém de fora poder ver ou ouvir o que se passava por lá. Quem tentasse entrar ou enxergar algo que se passava lá na Reitoria, dava de cara com os escudos da tropa de choque, até o fim.

Enquanto amanhecia, universitários a favor da ocupação, ou contra a PM ou simplesmente contra toda a violência que estava escancarada iam chegando. Os alunos pediam para entrar na reitoria. Eu pedia para entrar na reitoria. Tudo que todo mundo queria era saber o que realmente estava acontecendo lá dentro. A PM não levava os estudantes da ocupação para fora e o pedido de todo mundo era “queremos algo às claras”. Por que ninguém pode entrar? Por que ninguém pode sair?
Enquanto os alunos que estavam do lado de fora clamavam para entrar, ouvi de um grupo de repórteres (entre eles, SBT): “Não vamos filmar essas baboseiras dos maconheiros não! O que eles pedem não merece aparecer”. Entre risadas, pra não perder o bom humor. Além dos repórteres que já haviam decidido o que era verdade ou não, noticiável ou não, tinham pessoas misturadas a eles, gritando contra os estudantes, xingando. Eu mesma ouvi muitas e boas como “maconheirazinha”, “raça de merda” e “marginal” .
Os estudantes que enfrentavam de verdade os policiais que faziam a ‘corrente’ em torno da Reitoria eram levados para dentro. Em questões de segundos, um estudante sumia da minha frente e era levado pra dentro do cerco. Para sabe-se lá o que.
Lá pras 7h30, depois de muito choro, puxões e algumas escudadas na cara, comecei a ver que os PMs estavam levando os estudantes da ocupação para dentro dos ônibus. Uma menina foi levada de maneira truculenta, essa foi a única coisa que meu 1,60m de altura conseguiu ver por trás de uma corrente da tropa de choque. Enquanto eu tentava entrar no cerco, para entender a história, a grande mídia já estava lá dentro. Fui conversar com um militar, explicar da JC. Ouvi em troca “ai, é um jornal da usp. De estudantes, não pode. Complica”.
Os ônibus com os alunos presos saíram da USP. Uma quantidade imensa de outros alunos gritavam com a PM. Eu e os dois amigos da minha sala (aqueles da madrugada) pegamos o carro e fomos para a DP.
Na DP, o sistema era o mesmo e meu cansaço e raiva só estavam maiores. Enjoo e dor de cabeça, era o meu corpo reagindo a tudo que eu vi pela manhã. Alunos saiam de 5 em 5 do ônibus para dentro da DP. Jornalistas amontoados. Familiares chegando. Alunos presos no ônibus, sem água, sem banheiro, sem comida, mas com calor. Pelo menos por umas 3h foi assim.
Enquanto a ficha caia e eu revisualizava todo o horror da reintegração de posse, outras pessoas da minha sala mandavam mensagens para gente, de como a grande imprensa estava cobrindo o caso. Um ato pacífico, né Globo? Não foi bem isso o que eu vi, nem o que o JC viu, nem o que centenas de estudantes presenciaram.

Enfim, sou contra a ocupação. Sempre tive várias críticas ao Movimento Estudantil desde que entrei na USP. Nunca aceitei a partidarização do ME. Me decepciono com a falta de propostas efetivas e com as discussões ultrapassadas da maioria das assembléias. Mas, nada, nada mesmo, justifica o que ocorreu hoje. Nada pode ser explicação pra violência gratuita, pro abuso do poder e, principalmente, pela desumanização da PM.
Não costumo me envolver com discussões do ME, divulgar textos ou participar ativamente de algo político do meio universitário. Mas, como poucos realmente sabem o que aconteceu hoje (e eu acredito que muita coisa vai ser distorcida a partir de agora, por todos os lados), achei que valeria a pena escrever esse texto. Taí o que eu vi.

O que ninguém sabe ou o que ninguém quer saber – USP

Por Luiza Fonseca de Souza

Os estudantes que ocuparam a reitoria da USP passaram da conta? Sim. Eles decidiram a ocupação numa votação manipulada, que já foi explicado neste blog, que inclusive contém a carta dos estudantes contra a ocupação ilegítima, mas 400 policiais com helicóptero, cavalaria, choque e GOE pra retirá-los dali? Faça-me o favor. “Polícia para quem precisa”. E a entrada no Condomínio Residencial da USP, o CRUSP, com direito a agressão aos moradores, que acordaram em meio a confusão?!

Mas o pior de tudo, é que já era esperado de um reitor com um histórico como o de João Grandino Rodas. Depois as pessoas se perguntam porque alguns coquetéis molotovs foram achados na reitoria. Se ninguém os protege, eles mesmos tem que fazer.

“O que ninguém diz: João Grandino Rodas, investigado por corrupção pelo Ministério Público, entrou para a História por ser o primeiro reitor escolhido pelo governador (Serra) à revelia dos fóruns da USP desde Paulo Maluf na Ditadura. Rodas, que estava ao lado da ditadura (no caso Zuzu Angel e outros casos), foi o primeiro reitor a autorizar a ocupação militar da USP desde a redemocratização do país. Isso sem falar que o Estatuto da USP é da década de 70 e não foi reformulado depois da Constituição Cidadã.”

Após esse pequeno e sucinto, porém significativo, texto veiculado no Facebook por amigos da autora, Mari Sucupira, assistam esse vídeo e confiram a truculência da Polícia Militar contra o estudante e morador do CRUSP pedindo e tentando entrar no seu apartamento. Muito triste uma instituição que deveria proteger o cidadão impedindo-o de entrar em sua moradia. E mais ainda a sociedade aplaudindo todo esse caos.

USP: Um Desabafo

Por Igor Machado de Azevedo Bossonaro

Aviso: Esse artigo possui 6 páginas. Se você achar longo demais não se preocupe, certamente a VEJA ou a GLOBO poderão te dar um resuminho que você será capaz de processar em 3 minutinhos, antes de assistir o Big Brother. Obrigado por nos visitar.

“Cinco da manhã. Você mora no CRUSP, mas não é afiliado a partido nenhum. Sempre foi apenas estudar, diz que se sente orgulhoso pela coroação do seu próprio esforço em conseguir passar na USP, e por isso mesmo sempre foi contra qualquer paralização – a Universidade é para estudar, não é para discutir política. Você estuda Literatura, então te interessa discutir o texto crítico que fala da obra literária que fala de política. Essa é sua carreira. Então começa a respirar mal, dormindo, porque tem gás lacrimogênio entrando pela sua janela. Tenta sair, mas tem luz de helicoptero na sua cara. Ouve bala de borracha de madrugada, e criança chorando, vê de relance cavalos e fuzis de verdade, gente algemada, gente gritando. Chega mais perto no meio da fumaça, para ver o que é. Sente a força nas costas, cai no chão. É algemado. Entenderam tudo errado. Você não queria ajudar ninguém…”
-Yuri Bossonaro.

Esse artigo tem como objetivo lançar uma luz sobre os eventos lamentáveis do dia 08/11, ultima terça, quando a ocupação da reitoria na USP se tornou uma zona de guerra com mais de 400 policiais da tropa de choque, 3 helicópteros, policia montada, fuzis, gás lacrimogêneo e bala de borracha. 72 estudantes e funcionários da USP foram detidos. Dezenas de outros, como o coitado do texto acima, apanharam por estar no lugar errado na hora errada.
A despeito de minha raiva instantânea por tudo o que aconteceu, o pior veio depois, ao me deparar com a hedionda complacência e quase admiração com que amigos, familiares e tantos outros aplaudiram as ações da PM, como se estivéssemos falando da ocupação de um morro tomado por traficantes e não da invasão de uma reitoria repleta de alunos, estudantes…
Talvez isso se deva ao fato de que grande parte dessas pessoas não tenha a menor idéia de quem seja João Grandino Rodas, o reitor da USP e responsável pelo “massacre” da ultima terça, e também não tenha a menor idéia do que os alunos realmente reivindicavam. Prefiro tentar manter algum otimismo ou esperança na minha espécie.
Decidi perfurar o “lobby” da grande midia uma vez mais e fornecer algumas informações. O que cada um fará com elas, ou se elas serão capazes de mudar a cabeça de alguém, ja nao posso dizer. Só não posso me calar.
Antes de falar sobre o ocorrido da ultima terça, acho interessante um breve esclarecimento sobre os 3 principais elementos da tragédia: Os estudantes da FFLCH, João Grandino Rodas e a Policia Militar Brasileira.

Sobre os estudantes:
Segundo ranking internacional feito pela Top Universities, nove cursos da USP figuram entre os 200 melhores do mundo. Dentre esses, seis são da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas: Filosofia, Sociologia, História, Lingüística, Ciências Políticas e Geografia.

Posto que esse índice mede o resultado do aprendizado do aluno, é interessante citá-lo para mostrar como aqueles barbudos subversivos que nossa mídia marrom tem pintado como um “bando de baderneiros sem causa” são na verdade as maiores mentes de nosso país, pelo menos sob o aspecto acadêmico.
Pode-se alegar que os responsáveis pela ocupação na reitoria não representam a vontade de todos os alunos da FFLCH, isso é fato. Mas se existem divergências quanto aos meios adotados pelos ocupantes e os demais alunos, o mesmo não se aplica aos fins. Que fins são esses? Voltaremos nisso em breve.

Sobre João Grandino Rodas:
Reitor da USP, colocado lá por José Serra em 2009, Grandino Rodas participa do corpo docente da universidade a muito mais tempo, possuindo um histórico bastante questionável de relacionamento com militares durante o período da ditadura. Possui um processo investigativo de desvio/uso indevido de milhões de verba publica na universidade.
Rodas também está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por corrupção pelo envolvimento em escândalos como nomeação a cargos públicos sem concurso (inclusive do filho de Suely Vilela, reitora anterior a Rodas), criação de cargos de Pró-Reitor Adjunto sem previsão orçamentária e autorização legal, e outros.
É considerado o reitor mais ausente da história da universidade, jamais se colocando a disposição tanto dos alunos quanto do próprio corpo docente, sendo inclusive o primeiro reitor da história a ser considerado “persona non grata” pela Congregação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em represália a constantes ataques contra seu atual diretor.
Desde muito antes dos recentes episódios que colocaram em cheque a segurança da universidade, como o assassinato do aluno no estacionamento, já possui um histórico extremamente próximo com a Policia Militar. Em 22 de agosto de 2007, na época diretor da Faculdade de Direito, foi responsável pela entrada da tropa de choque na Faculdade, expulsando manifestantes da UNE e do MST, estudantes e membros do diretório acadêmico que haviam ocupado o prédio como parte das manifestações da Jornada da Defesa da Educação.
Em janeiro de 2011 foi responsável pela demissão em massa de 270 funcionários, por corte de verbas – a despeito dos imensos desvios e má aplicação do orçamento. Esse fato e diversas outras denuncias lhe renderam um convite para prestar esclarecimentos na Assembléia Legislativa de São Paulo (24 de março de 2011), mas ele não compareceu. Ele também não compareceu a dezenas de outras reivindicações e assembléias convocadas pelos alunos e professores ao longo de seu mandato. O que se fala é que é mais eficiente reclamar para Deus do que para João Grandino Rodas, no que concerne qualquer problema, duvida ou questionamento a respeito do que se passa na USP.

Sobre a Polícia Militar
Considerada uma das policias mais violentas do mundo, é um órgão que durante as décadas de ditadura foi usado como maquina de repressão do estado sobre a população. Foi NO MÍNIMO indiretamente responsável ou NO MÍNIMO complascente com o desaparecimento e assassinato de pelo menos 475 pessoas, segundo o livro “Direito a memória e à verdade”, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos na ultima década.
Durante o período da ditadura a Policia Militar e a USP tiveram um relacionamento particularmente tenso, já que os principais movimentos de combate à ditadura no Brasil nasceram na universidade. Uma parcela considerável de nossos desaparecidos políticos daquele período eram alunos ou professores.
É uma policia subordinada aos governos dos estados e não às prefeituras, um modelo bastante raro no mundo. É apenas uma das muitas alternativas para assegurar a segurança pública, como a Policia Civil ou a Guarda Civil da USP, que deixou de receber treinamento e investimento por decisão do próprio Grandino.
Protagonizaram diversos eventos recentes de abuso de violência e repressão a artistas de rua, passeatas pacíficas ou movimentos como o Acampa Sampa.
O então delegado da Policia Militar (e hoje deputado estadual) Hélio Luz deu um chocante depoimento no documentário “Noticias de uma Guerra Particular” onde ele é bem categórico em dizer que “a polícia faz o papel de ‘proteção da elite’ e só pode usar a repressão para controlar dois milhões de pessoas nas favelas”. Ele admite que a polícia é uma instituição corrupta e afirma que “nós garantimos uma sociedade injusta”.

Apresentados os personagens da tragédia, vamos aos fatos.
A despeito da crença popular de que o fato que desencadeou na invasão da reitoria e subseqüente violência da ultima terça tenha sido a prisão de 3 estudantes por estar fumando maconha no campus, os problemas do movimento estudantil que resultaram na ocupação da reitoria datam de muito antes.
A USP carece de planejamento urbanístico que favoreça a segurança, carece de iluminação apropriada e desde que Grandino Rodas assumiu a Guarda Universitária – real responsável pela segurança da autarquia (significa pela constituição que possui direito à autonomia administrativa) que é a USP – tem sofrido constantes cortes orçamentários, cortes em treinamento, equipamento, etc.
Isso já é pauta de discussão entre os diversos membros do movimento estudantil faz anos. Grandino Rodas não apenas ignorou durante anos os apelos do movimento, como adotou algumas outras medidas “excelentes” para a segurança da faculdade, como proibir a circulação de não-alunos nas dependências da Universidade.
Obviamente essa proibição vale apenas para as pessoas que como eu ou você, usam a portaria da USP, mas não para os trombadinhas ou traficantes que pulam os muros ou se embrenham pelas matas que cercam o campus. A USP já era um local ermo, se tornou um lugar ainda mais vazio. Sem iluminação e sem investimento algum em segurança, se tornou realmente terra de ninguém.
O que poucos enxergam é que isso foi deliberadamente provocado por Rodas ao longo de anos, sob constantes protestos e reclamações do corpo estudantil, para criar uma situação que JUSTIFICASSE a presença da PM na universidade.
As reivindicações dos alunos que invadiram a reitoria e foram arrancados de lá na porrada essa semana não eram “poder fumar maconha no campus”. O que eles queriam era o que já estavam pedindo a anos: Investimento real na segurança da Universidade, mas não abrindo as portas para a PM e fechando para a população (o que Rodas fez).
Grande parte do movimento estudantil da USP era contrário à ocupação do prédio da reitoria, mas são TOTALMENTE solidários às reivindicações listadas acima. Prova disso é a adesão de mais de 3000 alunos na assembléia realizada no dia 08/11, onde se decidiu pela greve.
Todas as decisões de Rodas nos últimos anos confluem para um único fim: Coibir a autonomia administrativa da universidade. Implodir sua estrutura de forma a justificar uma presença cada vez mais constante do estado, um movimento para a privatização das universidades e sua subseqüente subordinação ao segundo setor.

A palavra “Democracia” é derivada do grego “demo” (povo) e “cracia” (poder ou governo). Em um mundo onde nossa “democracia” tem se tornado uma ditadura subliminar, em que o estado se coloca sobre o povo e as empresas e corporações se colocam sobre o estado, a USP (berço intelectual, historicamente responsável pelo nascimento da maioria das revoluções que nosso país conheceu) possuir autonomia administrativa é uma imensa ameaça e um incomodo a ser extirpado.
E usando os bons e velhos artifícios de MEDO para convencer a população de que é preferível abrir mão da própria liberdade para ter segurança (11/09 e o ato patriótico nos EUA, só pra dar um exemplo bem recente) os grandes veículos de mídia, subordinados ao estado e às grandes empresas, estão conseguindo virar a opinião pública contra aqueles que lutam pela nossa liberdade.

Agora está feito. Você pode ter lido (talvez pela primeira vez) os motivos REAIS da ocupação no prédio da reitoria, pode ter ouvido um outro ponto de vista, e continuar achando tudo isso sem significado, continuar achando a causa vazia. Tudo bem.
Não acho que toda a população precise concordar com os motivos de um protesto ou de outro. Como me disseram ontem e eu concordo, “democracia também é divergência de opiniões”. A única coisa que espero da população é que não concorde com a violência que rolou. O cassetete que usaram é um só, pra bater na cabeça deles ontem e na minha (e na sua) amanhã.
Há um direito que antecede o direito codificado, o direito natural. Um código inerente à humanidade presente em todo ser humano, que faz a morte ser crime em quase todo canto, ou acende a luz dentro da maioria, criando desconforto ao saber do apenamento com a morte. Estrahamente esse mesmo código não indica à maioria que, NUNCA, meninos ou homens podem ser espancados, mesmo após condenação. Simplesmente não consigo entender o sangue nos olhos, quase em júbilo, com que algumas pessoas defenderam a violencia que foi perpretada na USP ontem. Me faz me perguntar se estamos perdendo nossa humanidade. Nós evoluimos alguma coisa desde que ficavamos em arquibancadas do coliseu babando enquanto gladiadores eram decapitados ?
Sei que toda generalização é burra, que não existe apenas um tipo A e um tipo B de pessoa, e também não gosto de ficar citando rede social de internet em meus textos, acaba zicando um pouco o ar de “atemporalidade” que eu gosto de dar para eles. Mas é impressionante como todas as pessoas que ontem de manha, no Facebook, estavam defendendo a invasão violenta da PM na reitoria, que estavam chamando os estudantes de “maconheiros sem causa”, de noite já estavam falando sobre a novela, o jogo de futebol, postando foto do brigadeiro que fizeram no microondas. E aqueles que se horrorizaram com o que aconteceu, que replicaram os manifestos dos estudantes, as fotos da violencia, de noite continuavam trocando textos, informações, se indignando. E hoje continuaram fazendo o mesmo…
E esse primeiro “tipo A” hipotético (a do futebol ou da novela) também é o mesmo tipo de pessoa que costumava usar os jargões “Dilma terrorista” ou “Bolsa-Esmola”, entre outros. É nosso brasileiro burguês médio, que só gosta de discutir politica na medida necessária para não fazer feio nas conversas de escritório, mas no fundo não está realmente interessado em nada e prefere viver como escravo – fingindo que é livre por poder trocar o Iphone todo ano – do que enxergar a verdade desconfortável.
É o cara que se tivesse vivido em 70 e poucos no Brasil, chamaria o guerrilheiro que lutava contra a ditadura de “ladrão” ou “terrorista”, e que acharia que é OK um estudante ou professor sumir ou tomar um tiro numa ruela por aí, afinal eles estavam “pedindo por isso mesmo”.
Todo mundo quer que as coisas fiquem bem, sem ter que limpar a sujeira depois. É patético o argumento de que “nao queremos pagar a conta” de meia de duzia de móveis quebrados na reitoria, enquanto Rodas esta sendo investigado por desvios de MILHÕES ! A desinformação do povo me dói o estomago …..
Como diria o ditado popular, “as vezes é necessário quebrar alguns ovos para fazer uma omelete”. Mas o burgues brasileiro médio é do tipo que come em restaurantes, ele nao sabe quebrar ovos nem fazer omelete.
Uma vez mais, cabe aos “barbudos que moram de aluguel” oferecer a outra face (e infelizmente as vezes uma cadeira ou um tomate) para o cassetete e o escudo da tropa de choque, na luta para construir as mudanças das quais um dia todos esperamos usufruir …
Mais de 3 mil estudantes se reuniram, em greve, não só os “barbudos maconheiros inuteis” mas também seus futuros advogados e médicos, dispostos a discutir o que aconteceu e por um fim no terror que se instituiu na USP. Mas todos eles devem ser mesmo apenas um bando de desocupados lutando por seu direito de fumar maconha livremente e estar acima da lei …

Encerro meu texto com um pedido simples e direto: Ninguém é obrigado a ter uma opinião sobre esse assunto (ainda que eu ache estranho que isso nao ocorra naturalmente). Ninguém é obrigado a concordar com isso tudo, aliás falei com muita gente razoável e inteligente que continua sendo contra a ocupação e não tenho problema algum com isso. Ninguém é obrigado a ter uma causa, em primeiro lugar. Conheço pessoas incríveis que preferem fazer milhares de coisas em vez de se aborrecer com política e respeito isso totalmente. São as pessoas tipo C, D, E, F, G, etc desse mundo. Diversidade é essencial em qualquer sociedade saudável.
Mas, às pessoas que ficaram lotando meu facebook, caixa de e-mail ou meus ouvidos mesmo, com argumentos parcos sobre “maconheiros vagabundos” e sobre como a policia “tem mais é que descer o cacete”. A essas pessoas eu mando um recado.
Todo mundo que quiser opinar sobre o assunto com essa intensidade – nem que seja para condenar os estudantes e defender Rodas e a PM – tem que se informar o mínimo primeiro.
Toda discordância, todo questionamento, será benvindo e acrescenta na discussão. Isso é democracia. Mas falar sem pensar não acrescenta. É só produzir barulho.
Melhor voltar pro Big Brother.
Se não for ajudar, pelo menos não atrapalhe.

NOTA POSTERIOR À PUBLICAÇÃO DESSE ARTIGO – Hoje, dia 11/11, o Estado de São Paulo anunciou a decisão da PM em construir sua primeira unidade DENTRO da Universidade de São Paulo. Já existe planejamento de local, construção, já existe projeto feito.
Mais do que nunca sou levado a acreditar que a prisão dos 3 estudantes fumando maconha na outra semana foi um ato deliberado feito com o objetivo de criar revolta nos estudantes e atrair a atenção da midia, garantindo a manipulação da opinião publica.
A PM tem circulado pela USP faz semanas, e a despeito do consumo de maconha la dentro realmente ocorrer com certa liberdade, nunca ninguém foi preso. De repente, uma semana antes de anunciarem a criação dessa unidade dentro do Campus, a policia resolveu prender alguém. Coincidência ?
Acho que não … E infelizmente os estudantes morderam a isca…

Você não me quer como aluno da USP

Por Cleber Pelizzon

Um grande amigo pediu minha opinião sobre os acontecimentos recentes na USP. Agora longe de São Paulo, quis saber como alguém da USP e além disso, da FEA, vê toda essa situação. Realmente de longe fica difícil entender. Temos de passar por uma cortina de fumaça criada pelos mais diversos meios de comunicação, é bem verdade.

No entanto, não posso me colocar em uma posição de esclarecimento dos fatos, por si só. Já existem relatos suficientes para isso, de alunos que estavam nas assembléias ou no momento da ocupação link 1. Já existem também diversas análises interessantes sobre o que aconteceu link 2, link 3. Estou somente na posição de falar como um aluno da USP que ao mesmo tempo é da FEA, ou seja, um monstro formado por ambiguidades.

Sou aluno da FEA. Trabalho durante o dia, 10, 12, até 14 horas por dia. Estudo à noite. Ou melhor, vou às aulas quando posso. Como trabalhor, pago meus impostos. Como somente vou à USP para assistir às aulas e nunca depredei o chamado patrimônio público, sou um bom beneficiário dos cidadãos que com seus impostos pagam por minha educação. Não sou “vagabundo”, não fumo maconha no campus.

Mas você não me quer como aluno da USP. Fazendo o que eu faço atualmente, estou simplesmente colocando seu precioso dinheiro no bolso. Com o conhecimento que adquiro nas salas de aula, faço uso somente em meu benefício, pois consigo um emprego melhor, um bônus melhor no final do ano, mais lucro para meu empregador. Mas ainda assim muitos acham que me querem como aluno da USP.

Como alunos da USP, aqueles que participaram e participam das assembléias, aqueles que invadiram e invadem reitorias, estão, permitam-me, fazendo o que se espera de um aluno da USP. A Universidade é o lugar onde se questiona, onde se reflete sobre nossos problemas, onde se ensina e onde se aprende. A universidade é o lugar para indignar-se, para pensar em um mundo melhor. Utópico? É este o papel da universidade: proteger o pensamento crítico que vai mudar o mundo.

O que os vagabundos fizeram foi justamente trazer a atenção para diversos problemas que enfrentamos atualmente. Com a escolha unilateral do atual reitor, temos o fantasma da ingerência. Com as ações friamente calculadas do atual reitor, que desqualifica os protestos dos estudantes manipulando (ou seria compactuando?) a mídia, trazendo a atenção para a camiseta de marca, para a depredação (que, sabemos todos, não existiu), temos o fantasma da perseguição, da tentativa de tornar-mos todos dormentes. Com os gritos de “vagabundo” e “maconheiro”, mergulhamos no abismo do debate raso sobre as drogas em nossa sociedade. Com os gritos de “mimado” e “playboy”, nos perdemos na escuridão que é o debate da segurança pública.

Quem você quer como aluno da USP são justamente eles, e não eu. São aqueles que gozando de sua juventude, são revolucionários, sabem que seu papel é pensar em maneiras de mudarmos para melhor, e não aqueles que vêem a universidade como um instrumento de formação de técnicos, que mais tarde, como arquitetos, não se perguntarão quantas casas faltam em nossos países, como bem disse Allende. São aqueles que defendem uma universidade livre para pensar, mas também que defendem uma sociedade livre para pensar, que da mesma maneira que não querem uma polícia que persegue estudantes, não querem uma polícia que persegue membros de uma comunidade no morro.

Mas, e a ocupação? Sou a favor. Apesar de ter ocorrido daquela maneira, após decisão de assembléia contra a ocupação (pelo menos o que li foi que foi aprovada mais tarde, depois de uma redução drástica de quorum), aqueles alunos tiveram a coragem de se expor e expor a situação crítica que nossa universidade (e a sociedade) se encontra. A coragem daqueles alunos (que não são ingênuos como muitos disseram e sabiam que seriam presos e humilhados) permitiu que meu grande amigo, admirador de Allende e Mário Quintana, pudesse discutir a universidade, a polícia e a sociedade com colegas, familiares, estudantes e trabalhadores que de outra maneira estariam tão distantes da USP.

Não desejem estudantes dormentes. Desejem estudantes sonhadores.

Em tempo: os alunos da FEA, e da USP, querem segurança, o que não quer dizer que querem a Polícia Militar no campus. Os alunos possuem propostas claras e objetivas para a solução da segurança: mais iluminação (você sabia que é a política de segurança pública mais eficiente?), abertura da universidade para circulação de pessoas, ou seja maior integração à cidade (o que significa que não nos vemos como um oásis no meio da cidade), policiamento por uma guarda universitária equipada e composta por mais mulheres (queremos sim, um policiamento independente e que possa prezar pela segurança das pessoas sem ser um instrumento de coerção, coação, repressão). Todas são medidas comprovadamente eficazes.

Cabe ainda apontar, que o assassinato de nosso colega da FEA não foi a causa da PM no campus. Como? Ora, a presença da polícia militar já estava ocorrendo de forma mais intensiva no campus antes do ocorrido. Não sepode dizer que o número de incidentes diminuiu com a PM (a USP possui estatísticas de ocorrências). A PM no campus é, sim, consequência deste ocorrido pois foi usada para criar um embate entre bons e maus: maus são os estudantes, que querem fazer o que bem entendem no campus sem policiamento, bons são o reitor, o governador, que passaram por autoridades preocupadas com a segurança dos estudantes “a favor da PM”, dividindo o movimento estudantil, colocando a população contra os estudantes.

(Agradeço ao caro amigo Tainã Novaes, crítico e sonhador)

USP: muito além da repressão

Por Antonio Martins

Os ocupantes da reitoria da USP eram muito poucos: 73. Não esboçaram o menor gesto de resistência, segundo a própria coronel Maria Yamamoto, chefe de Comunicação Social da Polícia Militar. Mesmo assim, a PM ostentou truculência. Arrombou-se a reitoria. Antes disso, a residência universitária (o legendário CRUSP, ocupado pelo exército em 1968) foi cercada e atacada com bombas de gás lacrimogêneo.

Todos os estudantes foram presos e humilhados. Primeiro, a polícia separou homens de mulheres, em salas escuras da própria reitoria. Nesse momento, segundo alguns relatos, ouvia-se “barulho de estilhaços”, como se a PM, que já dominara o prédio, se empenhasse em produzir cenas de vandalismo.

Mais tarde, os 73 foram confinados por várias horas, sob calor, e ameaçados de enquadramento em crimes graves. Circularam boatos de que só seriam libertados (provisoriamente) após o pagamento de fianças pesadas — restando, aos que não as saldassem, os presídios.

Nada disso era necessário, se o interesse da operação fosse apenas reintegrar a posse da reitoria ao autoritário João Rodas, que a comanda. E o governador Geraldo Alckmin estava informado de tudo à tarde, quando afirmou, em entrevista: “os estudantes precisavam de uma aula de democracia”.

A simbologia está completa — e assusta. A polícia reproduziu ao máximo as operações que o aparato repressivo desencadeava contra revoltas estudantis, durantes os governos militares. O governador usa a mesma palavra-chave: a ditadura alegava agir no interesse da democracia para derrubar um governo legítimo, assumir o poder e restringir as liberdades.

Que pretende o governador Alckmin? Em todos os momentos de incerteza, há tanto a esperança de transformação quanto o risco dos retrocessos. Sempre que a ordem vigente se fragiliza, os setores mais inseguros e conservadores da sociedade buscam refúgio no autoritarismo. Querem encontrar no cassetete algo que os proteja da liberdade e suas incertezas. Regimes como os comandados por Hitler, Mussolini e Franco; ditaduras com as que marcaram a América Latina nos anos 1960 e 70 surgiram a partir da mobilização dos que temem o novo.

Em São Paulo, estes setores podem ser articulados como em nenhum outro estado. Aqui, o PSDB reina há 17 anos — com a cumplicidade de uma mídia que abafa seguidas denúncias de corrupção e, mais importante, esconde a decadência econômica de um Estado que gostava de se chamar “a locomotiva do país”. Aqui, há uma oligarquia poderosa, que sofre a perda dos privilégios e se ressente com o avanço das periferias e dos nordestinos. Aqui, esta camada sente-se chocada com movimentos novos, que combinam a crítica ao capitalismo, alianças entre excluídos e classe média (evidente nos saraus da periferia ou nas ocupações dos sem-teto), questionamento da família e valores tradicionais (em nenhuma outra cidade brasileira, há uma parada gay como a de São Paulo, ou uma rua como a Augusta). Daqui, podem surgir tanto um novo projeto de Brasil quanto o encanto retrô com o país aristocrático.

Nas eleições presidenciais do ano passado, José Serra tentou mobilizar o ultraconservadorismo paulista. Geraldo Alckmin opõe-se ao então candidato tucano, nas disputas internas do PSDB, mas parece interessado em herdar este capital político. A brutalidade da desocupação da reitoria é um sinal de alerta.

Que remete, aliás, a outros debates. Estamos todos contra a PM. Mas é preciso discutir melhor a ação de pequenos grupos vanguardistas, que se aferram à ideia de revolução dos séculos passados e tentam privatizar, em favor de seus partidos, o sentimento libertário da multidão. É assunto para outros textos.