Conflitos na USP vão além da presença da polícia no campus

Por Mateus Prado

Os conflitos da Universidade de São Paulo (USP) não têm sua origem na tentativa de prisão de alguns jovens que faziam uso de maconha no campus. A origem é anterior. A reação à prisão desses alunos e a forma como ela se deu foi mais uma faísca no barril de pólvora que está formado na universidade. Como pano de fundo estão várias concepções de universidade que convivem dentro da USP e a atrapalhada imposição, nunca vista antes na instituição, de um modelo pelo seu atual reitor.
É importante entendermos um pouco de como se formou a USP e de onde vem o espírito combativo e contestador de alguns de seus alunos, sobretudo dos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A USP foi criada na década de 30, como reação à derrota paulista na Revolução Constitucionalista. A FFLCH, antes FFLC, foi a condutora do projeto da USP. Entre os objetivos estava a formulação de um novo ideário político para o Brasil e a volta dos paulistas ao comando do governo federal.
Entre as estratégias estava a criação de um ambiente participativo, inovador, contestador, de interação entre pessoas e pensamentos, tudo em contraposição ao que foi a repressão à Revolução de 32, que queria uma Constituição para o País. Foi esse ambiente que atraiu e/ou forjou, por várias gerações, uma juventude contestadora e participativa para a FFLCH.
A eleição para reitor na USP não é das mais democráticas. Pouquíssimas pessoas da universidade têm o privilégio de poder votar no colégio eleitoral que indica uma lista tríplice para o governador do Estado. Não bastasse a falta de representatividade e legitimidade desse processo, o atual reitor foi nomeado mesmo sendo o segundo colocado de sua eleição. Isso só tinha acontecido no período militar. O que não era bom ficou pior.
Em sua administração, João Grandino Rodas se mostrou um verdadeiro trapalhão. Já acumulava problemas de sua antiga gestão, como diretor da Faculdade de Direito da USP. Como reitor, trabalhou pela diminuição de vagas na universidade, fez do vestibular um modelo ainda mais elitista que o anterior, comprou imóveis e vagas de estacionamento em condomínios de luxo. Rodas inaugurou uma verdadeira ‘caça às bruxas’ contra adversários de sua gestão, abrindo vários processos administrativos contra alunos e funcionários. Nomeou parentes de antigos adversários para cargos na universidade, mesmo sem eles terem toda a capacitação necessária para exercê-los. Em 2007 recebeu a medalha de mérito Marechal Castello Branco, que faz alusão ao primeiro presidente da ditadura militar. A Faculdade de Direito da USP concedeu-lhe o título inédito de ‘persona non grata’.

Por essas e outras ações de sua administração, Rodas tem enfrentado críticas e denúncias dentro e fora da universidade. O que, para quem está fora, fica no campo do debate de ideias, para quem está dentro da USP, sobretudo na FFLCH, é vivenciado dia após dia. A reação à presença da polícia no câmpus iria acontecer a qualquer momento e representa mais do que a discordância de alguns em relação ao policiamento. É a canalização de todas as insatisfações com uma administração que só prejudica a USP e a sociedade, sob todos os aspectos, mas principalmente sobe o aspecto de tentar deixar a universidade cada vez mais distante das populações mais pobres e carentes de intervenções públicas.
Se está certo que toda pessoa flagrada fumando maconha deve ser abordada pela polícia, também está errada a forma de abordagem. Os alunos da USP não têm nenhuma obrigação de aceitar a truculência e a desproporcionalidade com que foi tratado o caso pela polícia e pela reitoria. Assim como a sociedade também não pode aceitar, em qualquer outro lugar do País, que as instituições públicas privilegiem a violência em suas ações.

A reação, que em um bairro de periferia poderia ter como consequência uns tapas nos envolvidos ou até mesmo a morte de alguns deles, com nenhuma nota em sites e jornais, na USP criou um conflito que virou pauta de debate nacional. A reitoria deveria ter discutido um protocolo de procedimentos com a Polícia antes que ela ocupasse a USP. Assim como devemos ter um protocolo de procedimentos para as ações da polícia em todo o País.

O debate, pelo menos até agora, tem beneficiado, em muito, o reitor Grandino Rodas. Criou-se, involuntariamente, uma cortina de ferro. Ou talvez agora a administração USP tenha mesmo ficado transparente. Tão transparente que não vemos nada do que foi a gestão de Rodas e de quanto ele trabalhou para criar o conflito. A única coisa que é apontada pela maior parte da sociedade é um grupo de burguesinhos insatisfeitos por não poderem fumar maconha. Não deveria ser esse o debate. Mas, como em política o símbolo acaba sendo mais importante que o fato, confesso que, pelo menos até aqui, sinto que o reitor ganhou o debate na sociedade e conseguiu passar a impressão de que faz uma gestão voltada para os interesses da sociedade. O triste é que a verdade é que a gestão do reitor é predatória e suas consequências são milhares de vezes mais letais do que alguns móveis quebrados, paredes pichadas e portas arrombadas.

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